2 - Uma paranoia por ladrões

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"Somos viciados em rotinas e tentamos acreditar que tudo está sobre o nosso controlo".

Não me podiam culpar. Não tinha sido culpa minha. Esqueci-me de fechar a porta, e depois? Mesmo que a tivesse fechado, o assassino apenas teria arranjado outra maneira de entrar. Provavelmente uma janela aberta...

De qualquer maneira, reparei que o meu chefe tinha deixado o saco com as suas coisas no carro. Fui lá dentro para entregá-las.

Estava tudo escuro. Ele era a primeira pessoa lá, pelo que não era preciso acender demasiadas luzes. Apesar da escuridão, ainda me lembro do aspeto do local.

As paredes e o chão eram ladrilhos cinzento-escuro. Um monte de cadeiras pretas estavam do lado direito, do lado oposto à receção, onde ainda não estava ninguém. Acho que o meu patrão pagou tanto que tiveram que "confiar" nele. Olhei pelo vidro... A água estava tão calma. Não havia nenhum tipo de perturbação; apenas umas pequenas ondinhas que "andavam" por lá livremente.

De repente, o meu chefe apareceu, com a sua típica cara de quem está chateado. Não gostava de chegar atrasado (suponho que era um homem de rotinas, e não de surpresas) nem um minuto ao seu período de relaxamento. Entreguei-lhe as coisas e fui verificar, se tinha guardado tudo no seu cacifo. Na altura eu estava paranoico com ladrões, mas não com assassinos, infelizmente.

Entrei no balneário dos homens para verificar. O meu chefe tinha-se esquecido, mais uma vez, de guardar as coisas. Nunca guardava nada. Tinha mais medo de chegar atrasado à sua aula livre de natação do que ser roubado, o que por acaso não percebo muito bem porquê.

É assim, de certa forma, até percebo. Quando uma pessoa adora uma certa coisa específica, quer ficar mais tempo a fazê-la, e não se deixa ser afetado por outras preocupações.

Eu já estive uma altura da minha vida onde apenas adorava e ficava deslumbrado com origamis, mas tinha outras coisas para fazer, tendo arranjado uma solução: um horário... que fazia as funções... de horário. Punha lá o tempo que tinha durante a semana e dividia esse tempo para fazer os origamis.

Mas o problema era quando eu me atrasava um minuto. Crescia uma raiva dentro de mim tão grande que atirava tudo que estava no meu caminho para sabe-se lá para onde. Mas acabava sempre por me acalmar.

Porém, voltando à história, guardei-lhe as coisas e fui relembrá-lo de que tinha que começar a guardar as suas coisas no cacifo, ao que ele, já dentro da água, me respondeu, mais animado:

- Foi a pressa. - Ele sorriu e eu retribui o sorriso. Já parecia mais feliz. Estava no sítio onde queria estar, e acabaria por morrer em paz.

Voltei para o carro e demorei 45 segundos. Olhei para o céu. O tempo estava tal e qual como o que estava no início da manhã: solarengo. O céu estava branco, coberto de nuvens, mas não chovia. Estava tudo numa grande harmonia.

Aproveitei para ir ver o meu telemóvel. Como já tinha dito, não costumo ter muito tempo para mim, pelo que tenho que aproveitar todos os pequenos momentos. Às quarta-feiras, como naquele dia, é quando eu tenho a maior parte do meu tempo, que era aquela hora (mais coisa menos coisa).

Aproveitei para verificar o meu telemóvel. Tantas novidades. O pai de um amigo tinha morrido, e eu acabaria por ir ao funeral. Muitas fotografias de uma festa para a qual, infelizmente, eu não tinha sido convidado, mas que não parecia ter sido muito boa. Reticências...

Também não quero estar a contar tudo da minha vida. Quero dizer, afinal eu sou o narrador mas a história é sobre o meu chefe, que tinha sido assassinado.

De qualquer maneira, fiquei lá, no telemóvel até que me apercebi de que tinha que ir avisar o meu chefe, para ele se ir preparar. Entrei nas piscinas, mas para minha surpresa, ele encontrava-se morto.

Água fria ou quente?Onde histórias criam vida. Descubra agora