12 - Diferentes vidas

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"Se um motor é constituído por diferentes partes, então também o Homem é. "

Depois de lhe ter prometido que lhe contaria se descobrisse alguma novidade (apesar de não ter intenções de o fazer e de não o ir fazer mesmo), fui-me embora. A suposta "liberdade de investigação" que me tinha sido fornecida ia ajudar-me, mesmo que não fosse verdadeira. Porque (e agora as coisas ficam confusas [já vos tinha avisado que é a característica principal da natureza humana]) mesmo se ela fosse falsa, ele teria que fingir que era verdadeira, dando-me um pouco de margem de manobra. O que eu quero dizer é que para fingir que ma dá vai mesmo ter que ma dar. Ok, acho que agora está mais simples.

De qualquer maneira, segui para a casa dele. Sabia perfeitamente onde é que o telemóvel que ele utilizava para falar com a amante estava. Mas infelizmente, não a poderia interrogar. Eu não era polícia, ao contrário do Carlos. Por isso decidi que lhe diria só para depois conseguir ouvir o interrogatório pela escuta. Era uma boa maneira.

Segui para a casa dele e bati à porta. A agora viúva abriu a porta, ainda chorando. Ela, violentamente, perguntou-me:

- O que é que foi?

- Senhora Liliana - era o nome da mulher dele. -, eu só vim buscar umas coisas das quais eu me esqueci das últimas vezes que vim cá.

- Está a falar a sério? O... O meu marido morreu e vo... você só se preocupa com as suas coisas? - perguntou ela, soluçando entre as palavras. Ela começou a fechar a porta, mas eu pus o pé à frente. Olhei para ela e disse:

- Se pensa que não estou a sofrer está muito enganada. E acho que é um pouco natural que, apesar de não ser o indicado, eu o tente esquecer. Eu gostava muito dele. Mas por favor, deixe-me ir ao escritório dele. Eu esqueci-me de algumas coisas.

Ela nem sequer respondeu. Deixou-me entrar e depois foi para a cozinha, onde se sentou numa cadeira a chorar. Eu segui para o escritório. Abri a porta e vi a divisão outra vez e achei que nunca tinha olhado para aquela divisão daquela maneira. Era como se ainda o conseguisse ver sentado na cadeira, a fazer palavras-cruzadas, com uma mão na cabeça e a outra a brincar com a caneta, mordendo-a de vez em quando.

A divisão era maioritariamente pinturas ou molduras que cobriam as paredes brancas. Em cima do chão bege, estava, no mais afastado da porta possível, a cadeira e a secretária, onde ele passava os fins de semana, nos quais negligenciava a mulher, que acabava por ter um motivo para o matar. Mas não acreditei e ainda não acredito que ela pudesse matar alguém.

Ele também tinha bastantes estantes, que não estavam apenas cheias de livros. Também continham algumas bugigangas, troféus e molduras que, mesmo quando ele passava lá mais do que dias inteiros, lhe lembravam que ele ainda tinha família e outra vida para além daquele trabalho.

E apesar de ele se esquecer da sua vida principal, que devia ser a mantida, ele muitas vezes apenas se lembrava da amante, com a qual comunicava utilizando um telemóvel que estava colado com fita-cola em baixo da secretária, de modo a estar coberto pelo tampo. Peguei no telemóvel e peguei no meu também. Vi as mensagens e vi o contacto que tinha as mensagens mais românticas. Enviei o contacto numa mensagem para o meu amigo, dizendo também: "O número da amante. Decorei-o. Cuidado com ela... pode ter motivo. Mas cuidado com a mulher dele também".

Claro que estava a mentir outra vez. Não decorei nada, mas não tinha intenções de o deixar perceber que tinha o telemóvel comigo.





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