7 - No bolso do casaco

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"O ser humano só contorna regras porque a sua glória é criar desumanidade".

Após alguns minutos de lavar, cortar e fritar ingredientes muito variados, a refeição estava pronta. Chamei o meu filho (estou a esquecer-me outra vez de mencionar os nomes... o meu filho chama-se Dinis) e tivemos uma refeição muito calma.

Eu e a minha mulher aproveitámos para dizer ao nosso filho que, como o meu chefe tinha morrido, estava sem emprego. Não falámos muito sobre isso. Gostamos de ter conversas leves e apropriadas em vez de falarmos de cadáveres. 

Algum tempo depois, eu ajudei a Margarida a levantar a mesa e, depois, fui preparar-me para o encontro com o homem misterioso (ou mulher misteriosa). 

Vesti algo muito mais leve: apenas uma camisola de manga comprida azul. Se ia quebrar uma lei, ao menos tinha que sentir algo... Arrependimento, ira, tristeza, vergonha... Mas nada. Então decidi sentir o frio na minha pele. Nem sequer me ia preocupar em levar casaco. Mudei de calças, peguei nas chaves de casa e do carro e saí. 

Entrei no carro e finalmente comecei a perguntar a mim próprio se estava a fazer o acertado. Obviamente que não. Mas não tinha outra escolha... Quer dizer, tinha, mas essas eram piores que esta. Estava finalmente a sentir o arrependimento que tanto esperava. Mas apenas engoli o sentimento para dentro de novo e parti. 

A viagem não demorou muito tempo... 10 minutos foi o tempo suficiente para eu fazer o trajeto. Ainda por cima, era perto do bar onde eu, posteriormente, me iria encontrar com o Carlos. Cheguei 15 minutos mais cedo: eram 19:45. Até esperava que tivesse que ficar à espera, mas não. O homem veio na minha direção e perguntou-me se era eu quem ele procurava. Eu respondi-lhe:

- Provavelmente, sim. 

Ele foi buscar a escuta lentamente ao bolso e estendeu a mão, dizendo:

- Ninguém se apercebe quando têm isto em casa... O dinheiro? 

Tirei 10 notas de 50 euros do meu bolso. Na altura comecei a achar que era demasiado caro, mas não havia volta a dar.  Ele passou-me a escuta e um pequeno manual e foi-se embora. 

Aí é que comecei a questionar-me se aquilo funcionava mesmo. Tudo podia ser uma farsa. Podia ser apenas uma peça de relógio que aparentava ser uma escuta. Podia ser qualquer coisa. Afinal, não pesquisei imenso sobre o assunto! Mas só havia uma maneira de ter a certeza. Li o manual no carro e, usando dados móveis, transferi a aplicação. Até agora parecia ser tudo legítimo. Fiquei lá algum tempo a fazer alguns testes a ver se aquilo era verdadeiro ou não mas não consegui perceber nada. Por isso, apenas comecei a andar em direção ao bar. 

Entrei lá ao mesmo tempo que ele. O bar era maioritariamente castanho. Paredes, cadeiras, mesas... tudo da mesma cor. Sentámo-nos numa mesa e começamos a beber umas cervejas ao mesmo tempo que eu tentava manipulá-lo um pouco para conseguir obter informação. Infelizmente, ele percebeu, e disse-me:

- Olha, eu até te dizia coisas mas não temos nenhuma pista. - Ele estava a mentir. 

- Ok... - disse eu. - Vamos falar de outras coisas. 

Aí houve uma pequena pausa. Estava à espera que ele quebrasse o silêncio enquanto eu pensava como iria por a escuta nele. Passado algum tempo, reparei no casaco e perguntei: 

- Quantos bolsos tem o teu casaco?

- 2. Porque é que perguntas? - Ele estava desconfiado, e eu menti:

- Nada. Gosto do teu casaco e preciso de um novo. 

- Ah... Ok. Olha, tenho que ir à casa de banho. - disse ele, mentindo outra vez. O seu telemóvel tinha começado a vibrar 3 segundos antes de ele me ter dito e pensei que fosse um técnico e deixei-o ir.

Mal ele entrou na casa de banho eu peguei no casaco dele para contar bolsos. Tinha 3: 2 de fora e 1 dentro. Aproveitei para por a escuta no que presumi que fosse o bolso que ele não sabia e depois pousei o casaco como estava antes. Ele veio e despediu-se, dizendo:

- Tenho que ir. 

- Eu também. - respondi-lhe. - Adeus.

Achei que o mais engraçado tenha sido o facto de eu na verdade não estar chateado com ele por ele me ter mentido. Afinal, o encontro correu como planeado. Eu pus-lhe a escuta e não acho que ele tenha reparado. Agora o problema era ver se aquilo funcionava mesmo.

Água fria ou quente?Onde histórias criam vida. Descubra agora