"São os momentos maus que marcam a vida de alguém, não os bons".
Quando cheguei a casa já estava muito cansado para tentar saber alguma coisa. Para além disso, não seria fácil estar a tentar ouvir alguma coisa de forma discreta com duas pessoas em casa que se podiam aperceber logo do que se estava a passar.
Apenas vesti o meu pijama e deitei-me. Demorei pouco tempo a adormecer, mas nesse "pouco tempo" que ainda tinha antes de dormir, pensei em tudo o que me tinha acontecido só naquele dia. Fui considerado suspeito de um homicídio, fui vítima de um ataque, fui cliente de um homem bastante suspeito que me deu uma escuta em troca da certa quantidade de dinheiro e, de certa forma, fui um espião, quando coloquei a escuta no bolso do casaco dele... Tinha sido várias personagens, e até tinha descobrido novas facetas minhas, mas não queria que isso acontecesse no dia a seguir. Não queria ser quem na verdade não sou: um culpado. Nem sequer sei porque é que pus a escuta nele... Não devia ter feito isso.
Levantei-me e fiz exatamente o mesmo: vesti-me, tomei o pequeno-almoço, verifiquei a agenda do meu chefe (apesar de ele estar morto; ainda não me tinha habituado a isso), levei o meu filho à escola e depois voltei para casa. A Margarida já tinha saído e aproveitei e liguei a aplicação. Ainda não sabia muito bem se aquilo funcionava mesmo. Pus uns phones para ouvir melhor e esperei por algum som.
Eram 8:30. Não sabia que ele entrava assim tão cedo. Já estava a trabalhar. Mais especificamente, estava no carro para ir à casa dele. Meti-me no carro o mais depressa possível e continuei com os phones para ver se havia novos desenvolvimentos.
Pensei em comprar uma câmara e pô-la lá de forma discreta, para conseguir ver o que se estava a passar, mas depois tive uma ideia que não envolvia o gasto de tanto dinheiro. Lembrei-me que havia uma casa ou algo parecido à venda no prédio que estava exatamente oposto à casa dele e aproveitei. Metia-me lá dentro (mesmo que a porta principal do prédio estivesse trancada, bastava esperar por alguém que saísse e eu entrava) e depois, caso fosse preciso, arrombava a porta da casa em si e entrava. Tinha uns binóculos na mala do carro (eu tenho muita coisa na mala do meu carro; aquilo parece uma lixeira mas é sempre bom) e podia utilizá-los para o ver.
Cheguei lá às 8:43. Esperei 1 minuto até alguém sair e entrei. Não havia nada marcado naquela altura na casa e então arrombei a porta. Peguei numa cadeira e sentei-me a observá-lo.
Ele chegou 3 minutos depois (a esquadra ficava do lado oposto da cidade). Bateu à porta e a viúva abriu-a. Tinha estado a chorar. Estava com os olhos vermelhos e segurava um lenço. Consegui ouvir com os phones o que eles estavam a dizer:
- Quem é o senhor?
- Eu sou o detetive Carlos... - Carlos não conseguiu terminar a sua frase. A mulher interrompeu-o num instante.
- Por favor diga-me que vai descobrir quem é que fez isto... - pediu a mulher.
- Senhora Alves, é isso que eu estou a tentar descobrir. Pensei que se calhar algo em sua casa me apontasse em alguma direção. Posso dar uma vista de olhos?
- Sim... - sussurrou ela.
O meu amigo entrou na casa perguntou onde era o quarto e o escritório do meu chefe, caso esta última divisão existisse. A mulher disse-lhe e ele seguiu para cima. Entrou primeiro no escritório e foi diretamente à mesa. Parecia que já sabia onde tudo era. Pegou na agenda e folheou as páginas lentamente, assimilando tudo o que lá estava escrito, até que parou num dia. Consegui fazer mais zoom e vi que era o dia de ontem, e estava lá escrito "Não cedas à chantagem. Ele não te vai matar".
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Água fria ou quente?
Mystery / ThrillerToda a gente tem a sua história, no qual conta o seu mundo. O meu mundo? Um autêntico desastre, depois de começar a ser suspeito numa investigação de homicídio. O meu chefe foi baleado depois de se ter afogado no seu local favorito, mas eu prometo...