5 - Uma mentira

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"A História é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo".

Voltei a acordar algumas horas mais tarde. Estava num quarto de hospital, pelo que parecia. Até era agradável, tirando a parte de haver demasiada luz. Apenas tentei relaxar e descansar mais um pouco. Mas não consegui.

Não foi por causa do que tinha acontecido, mas sim daquilo que estava a acontecer. A voz do meu amigo ecoava no corredor. Não consegui ouvir outra voz, pelo que deduzi que ele estivesse a falar no seu telemóvel com alguém relacionado com a investigação. Ao início pensei que era um bocadinho mau ele não se importar comigo mas depois lembrei-me: eu não era detetive nenhum. Era normal que ele continuasse a investigação e que se preocupasse um pouco comigo ao mesmo tempo. Mas também ainda não tinha revelado nenhum sinal que indicasse que eu já tinha acordado, pelo que agora já havia duas justificações.

Comecei a ouvir passos e a voz intensificou, tendo-se calado quando estava pertíssimo de mim. Ele entrou no meu quarto, pensando que eu ainda estava desmaiado. Porém, eu disse-lhe:

- Olá.

- Olá. - murmurou ele entredentes. - Olha, eu...

- Eu sei. Eu vou continuar com a minha vida normal em vez de ir para detetive. Acho que isso é o melhor conselho dado... isto. - disse eu, apontando para a ferida na minha cabeça.

- Não te dói?

- Não... Espera, quanta morfina é que me foi dada? - Olhei para o pequeno visor ao meu lado e disse: - Então é por isso que estou cheio de sono.

- Pois...

- Novidades?

- Samuel, acabaste de... - Nessa altura eu interrompi-o:

- Eu sei, mas apesar de ser uma investigação policial e isto e aquilo, eu tenho direito a saber. Pelo menos uma pequena coisa.

- Nós ainda não tivemos nada. Só passaram 4 horas. - Não sei o que era, mas havia algo na sua voz que me dizia que ele estava a mentir...

- Bem, eu...

- Samuel? - A minha mulher entrou de repente no quarto onde eu estava, em pânico. Presumi que ela tivesse sido avisada pelo Carlos. - Estás bem?

- Sim... É só uma pequena ferida. - eu respondi.

- Não é não. - disse a minha mulher (acho que ainda não mencionei que o nome dela é Margarida). Ela é médica há 4 anos, e já sabe muito. - Até precisaste de levar pontos. - disse ela, inspecionando a ferida de perto.

- Au! - gemi eu quando epa tocou lá sem querer.

- Olha, ao menos não lhe dói. - comentou o Carlos.

- Carlos, tu é que tens a culpa nisto...

- Querida, - eu comecei. - a culpa foi minha. Já combinei aqui com ele - Apontei para o Carlos. - que vou sair já desta vida toda.

- Mas afinal o que aconteceu? -perguntou ela, que ainda não sabia de nada, ao que eu respondi:

- O meu chefe foi morto e o assassino dele atacou-me.

- Credo! Isso explica porque é que a tua camisola está...dessa cor.

- Não, isso eu sei que é água. O sangue ficou aqui na parte de trás. - comentei eu.

- De qualquer maneira... Não sabes quando é que eu vou ter alta, pois não? - perguntei eu ao Carlos.

- Não, mas vais ter que ficar aqui pelo menos mais 4 horas.

- A sério?! - reclamei eu, indignado.

- Sim, mas não é culpa minha. - respondeu ele. - Olha, eu depois vou contigo a um bar qualquer... Bebemos umas cervejas, falamos um bocado da investigação.

- Sim, sim, sim... - disse eu, já tendo reparado que ele tinha que ir embora. - Vai lá. Boa sorte.

- Obrigado. - agradeceu ele.

A Margarida também saiu. Tinha que ir trabalhar, e assim até me deixou um pouco de tempo para eu ficar a pensar... Será que ele me tinha mesmo mentido? E se tinha, porque o fez? Será que estava preocupado comigo ou não me queria mesmo contar nada?

Sacana.

Foi aí que eu decidi. Decidi que tinha que saber... Eu tinha que lhe por uma escuta.

Água fria ou quente?Onde histórias criam vida. Descubra agora