O Garoto Da Casa Ao Lado

2-Novato

- Ah, que saco. Mais uma ano nessa escola e ninguém pra conhecer - disse, jogando-me na cadeira da sala de aula.

- Nem me fale. Eu já conheço todo mundo dessa escola, inclusive o diretor Watson - disse Sarah, minha melhor amiga desde a 2° série.

- Aquele diretor quase me deixou reprovado por causa de cinco pontos. Mas eu chorei bastante e ele me passou de ano.

- Agora que eu me lembrei que você quase reprovou - ela tinha uma risada engraçada, contagiosa até, e me fez rir também.

Um garoto passou em frente à minha cadeira e deixou meu caderno cair. Levantei e me abaixei para pegar, mas na hora em que eu estava pegando, ele foi mais rápido e o pôs em suas mãos. Quando olhei para agradecer ele, meu coração reduziu as batidas. Pensei que fosse enfartar naquela hora.
Era ele! Victor!

- Aqui está o seu caderno.

A única coisa que eu consegui fazer foi ficar encarando. Ele disse mais alguma coisa, mas não entendi. Virou-se, foi para o final da sala e se sentou em uma cadeira no canto. Voltei para a minha cadeira e me sentei. Meu coração tava começando a voltar ao normal.

- Que clima foi aquele? - perguntou Sarah, toda curiosa.

- Ele... é meu vizinho - meus olhos admiravam o longe.

- Mentira! - ela se virou para trás, depois voltou a me falar - Ele é um gato!

Acho que minhas bochechas coraram nessa hora.

- Se mudaram ontem para a casa ao lado. O quarto dele dá de frente para o meu.

Sarah quase pirou nessa hora. A expressão de surpresa que ela fez foi hilária. Ela deitou no meu ombro esquerdo e fez uma voz de criança manhosa:

- Vamos mudar de casa, por favor?! - depois fingiu um choro falso.

- Não! Ele é meu!

Sarah sabe que eu sou gay desde a 4° série. Foi quando ela me viu dando um selinho em um garoto que estudava conosco. De início ela parou de falar comigo e nos separamos, mas no ano seguinte ela me pediu desculpas e que ela achava estranho aquilo que eu havia feito, mas se me deixava feliz, ela devia ter me apoiado. Voltamos a nos falar e ela continua sendo a minha melhor amiga até hoje.

- Ah, você nem sabe se ele curte!

Aquilo me deu uma desanimada.

- Mas, quem sabe?! - disse para ela.

Olhei para trás e ele estava me encarando, mas logo desviou o olhar em direção a porta. Eu, de curioso, olhei também.

O professor Sandro "Mala Sem Alça" Carvalho, de Biologia, estava entrando em sala de aula. Assim que me viu, eu já sabia o que ele falaria:

- Matheus Alexander, volte para a fila! - quando eu entrei na sala e encontrei Sarah sentada, corri para sentar perto dela e como ela havia novidades para me falar, puxei minha cadeira para o seu lado.

- Pensando melhor, dessa vez vai ser diferente! Não vou mais aturar você e a senhorita Oliveira interrompendo sempre as minhas aulas! - disse ele ainda na porta. - Senhor Alexander, por favor, sente-se em outro lugar.

Olhei em volta e a sala estava cheia. Mas havia um lugar... e era justamente em frente à mesa de Victor.

Seus olhos azuis estavam presos em mim, mas depois se voltaram para o caderno em sua frente. Eu estava nervoso. Não queria sentar em frente à ele. Não conseguiria me concentrar sabendo que ele estava atrás de mim.

- Mas professor...

- Mas nada! Há dois anos venho aturando suas picuinhas e esse ano será diferente.

Apenas revirei os olhos, peguei minha bolsa e os materiais que estavam em cima da minha mesa, olhei para Sarah, que fez uma cara de tristeza, e depois fui para o fundão.

O professor deu início a aula e eu não via a hora de acabar e voltar para a minha cadeira ao lado da Sarah.

⏳

Uma hora e meia aguentando aquele professor falar dos vírus e eu ficava pensando: qual será o vírus mais perigoso que existe para eu infectá-lo?

Enfim havia acabado a aula dele e eu pude voltar para o meu lugar.

- Não acredito que vamos ter de aturar ele de novo. - disse, jogando minha mochila no chão.

- Ainda bem que só veremos ele uma vez por semana.

- Graças...

A aula seguinte foi a disciplina de português. A matéria que eu mais gostava era do professor Samuel. Ele era meu professor desde a 8° série, e agora, no 3° ano do ensino médio, continua sendo. Ele começou explicando um assunto e fazia perguntas para pessoas aleatórias, até que ele pergunta para o novato.

- Hum... Você aí atrás. Como você se chama?

Continuei olhando para frente enquanto que os outros, inclusive Sarah, viraram-se para trás.

- Victor Hugo. - sua voz saiu grossa e firme.

- Você sabe me dizer a diferença entre o MAS com 's', e o MAIS com 'i-s'?

Por um momento, tive uma leve impressão de que ele não responderia.

- Mas com 's', transmite oposição ou limitação, enquanto que mais com 'i-s', é usada quando for acrescentar algo. É o oposto de menos.

- Aplique essa duas palavras em uma frase.

- Amanhã irei vir para a escola, MAS terei de andar MAIS rápido se eu quiser chegar cedo.

- Muito bem.

E assim o professor continuou a fazer perguntas para outras pessoas. Sarah chegou perto de mim e cutucou o meu braço.

- Além de bonito, ele é inteligente.

- Tem razão.

Quando olhei para trás, ele me observava.