A caçadora

Melany

Uma coisa curiosa sobre humanos: eu nunca vou entende-los. Quanto mais eu tento, mais eu percebo que eu nunca vou conseguir.
Bem, estava desmaiada, devo ter me esforçado demais, pois simplesmente apaguei. Enquanto estava desacordada, tive um sonho que preferia não ter, pois foi composto com minhas lembranças. Na verdade, todas as piores lembranças misturadas. Quando fiz nevar dentro da cozinha e meus "pais" me devolveram pro orfanato, me chamando de aberração; um menino da escola que me chamava de fria, jogou água quente em mim; quando fui espancada na escola e no orfanato; os meninos da última escola que estudei me humilhavam na frente de todos, dizendo coisas horríveis sobre mim; quando Sara e Peter morreram e Sally me colocou pra fora de casa; quando aqueles homens tentaram me estuprar... Tudo... Todas as piores lembranças que eu tinha, vieram a mim de uma vez.
Então ouvi uma voz de mulher, a mesma de meu sonho... Estava dizendo algo, mas não dava pra entender... comecei a ficar focada nessa voz, fria como a neve, e, aos poucos, comecei a decifrar... Ela dizia "Continue em frente, não desista, não abaixe a cabeça, não ceda. Mostre que uma filha da neve nunca se rende, nunca se curva, muito menos é fraca. Elsa, você não é fraca. Continue e mostre seu valor, mostre que você é digna de ser chamada de minha filha..."
E foi então que eu abri meus olhos. Algumas pessoas que ficaram ali, estavam assustadas. Me sentei com dificuldade, ainda cansada e olhei para os lados, a procura daquele homem estranho que havia me chamado de semideusa. Nada dele, apenas uma poeira meio dourada que ia desaparecendo conforme as pessoas voltavam para seus lugares. Uma garota há de uns 9 anos chegou perto de mim, se abaixou e pegou minha mão:
- Nossa moça, você é gelada! - disse a garotinha, surpresa.
Fiquei meio chocada, ninguém nunca havia se aproximado de mim daquela forma, tão espontaneamente. Sua mãozinha quente na minha... Tive que sorrir.
- Eu sempre fui assim - respondi, o mais gentil que pude.
- Ah... moça, obrigada por matar aquele, eu estava com muito medo.
- Monstro?
- Sim, não viu? Eu já vi vários como aquele, mas você foi a primeira pessoa que vi que matou um... Obrigada de verdade!
- Ah... - fico meio sem reação, uma garotinha sendo legal comigo por livre e espontânea vontade e me agradecendo... - tudo bem, não foi nada... Você está bem?
- Sim, estou sim....
- Cadê seus pais? - olho ao redor à procura de alguém que a acompanhasse.
- Não... Não sei... eu... ahn... fugi de uma clínica... - ela diz, meio corada, desviando o olhar
- Clínica?
- Sim... psiquiatra... - ainda corada, sem me encarar - meus pais me deixaram lá... me achavam louca porque eu via coisas que ninguém mais via... Como esse monstro...
Fiquei chocada. Como alguém pode fazer esse tipo de coisa com uma criança? O trem voltou a andar, me levantei e a conduzi até o banco comigo.
- Como se chama? - pergunto a ela.
- Melany... e você?
- Me chamo Elsa... Está com fome?
- Ah.... bem... - a vejo colocar a mãozinha na barriga e morder o lábio...
- Não diga mais nada... Me espera aqui tá bem? - me levanto e vou até o vagão lanchonete, compro dois lanches e sucos com o último dinheiro que eu tinha, e volto a me sentar com ela... Dou um lanche e um suco pra ela, que me agradeceu imensamente e começou a comer tão desesperadamente, que eu acabei dando metade do meu lanche pra ela.
Seguimos viagem conversando, o que, para mim, era novidade, já que nunca tive amigos. Quando chegamos em Long Island, disse a ela que estava indo para um lugar seguro, se ela queria ir comigo. Ela disse que não, que ia procurar um lugar seguro pra ela... Me senti chateada, mas assenti. Aquela garotinha, tão nova e tão independente...
Suspirei e me despedi dela. Foi triste, pois apesar de ser muito fechada, me apeguei a ela, e não pude deixar de sentir como se a estivesse "perdendo", a única amiga que já tive... Mas respirei fundo, desejei o melhor a ela e me obriguei a seguir meu rumo, afinal, tinha ainda um longo caminho a seguir.