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Minha vida acabou no momento em que eu via o sol se pôr junto a Mat, sentada no telhado que fazia barulho a cada mexer de músculo.

Já era um hábito. Assistir ao pôr do sol, com meu melhor amigo. Observei como o azul turquesa do céu estava sendo substituído por laranja e vermelho. A vista mais linda do mundo!

Fechei os olhos, sentindo a brisa. As telhas estalaram, sinal que Mat havia se movido. Abri os olhos, logo vendo-o bem ao meu lado, abraçando-me com um braço só. Deitei minha cabeça em seu ombro. Muitas vezes, não era preciso dizer nada. Mat entendia tudo. Nossa amizade era pra ser.

- Como você acha que vai ser daqui pra frente? - pergunta ele.

Por um segundo, penso em tudo, e em nada, ao mesmo tempo. O que passava na minha mente era uma bagunça total, tantas hipóteses, tantas probabilidades. Mas o que saía da minha boca, era silêncio.

- Não sei - foi a única coisa que consegui falar. Já conseguia sentir as lágrimas invadindo meus olhos. Ainda era cedo demais, por que já chorava? Talvez fosse muita pressão. Talvez eu pensasse demais. Talvez fosse pessimista. Talvez eu soubesse o que iria acontecer. Talvez eu tivesse razão.

- Escuta, vai ficar tudo bem - diz Mat, dando um beijo em minha testa. Eu me sentia tão bem ao seu lado! Nem esse terror no Brasil me atingia quando estava nos braços de Mat. - Já passamos por muita coisa juntos; boas e ruins. Claro que isso agora não se compara a nada... Mas vamos superar isso, como sempre! Você vai ver, daqui muitos anos, vamos estar contando a história de Como Sobrevivemos Ao Terror no Brasil para nossos netos. Vai até ser engraçado.

Sorri. Matthew tinha uma magia que conseguia me fazer sorrir nos piores momentos. Eu era muito grata por isso. Mas nem sempre as pessoas têm razão.

- É - digo, hesitante - Espero que sim.

Quando entrei em casa, fui supreendida por um abraço nas pernas que quase me fez cair pra trás. Ri, vendo o enorme sorriso daquele projeto de gente, parecendo sorriso de criança em dia de Natal.

- Lexie! - gritou Theo, meu irmãozinho, meu anjo, meu tudo.
Theo era o único que me chamava de Lexie. As outras pessoas que eu conhecia me chamavam de Allie ou simplesmente Alexia. Mas Theo me deu esse novo apelido; era um nome especial, que somente ele usava, que somente ele pode usar.

O que seria dele nessa guerra? Será que conseguiria viver?
Não. Não posso pensar nisso. É claro que ele vai viver. Nem que isso custe a minha vida.

- Oi, meu amor! - abracei-o - Mamãe está em casa?

- Tá na cozinha! Vai lá que ela ta fazendo comida! - ele saiu correndo e batendo palmas com aquelas mãozinhas pequetuchas. Coisa mais fofa desse mundo.

Fui para a cozinha, não sem antes dar uma olhada no espelho da sala. Queria me certificar que não havia mais nenhuma lágrima ali. Não posso deixar que minha família veja qualquer traço de sofrimento meu. Quero ser forte, quero ser corajosa, e talvez até durona. Desmoronar na frente deles não está dentro do plano.

- Voltei, mãe.

- Ótimo. Preciso da sua ajuda para preparar a janta. Vai, mineirinha, vai!

Depois de preparar o jantar, estávamaos todos sentados à mesa. Minha mãe, meu pai, meu irmão, e eu.

Éramos um exemplo de família feliz. Não havia brigas feias entre nós, como na família Correia, a família de Matthew. Ele se desentendia muito com o pai. Sua mãe morreu quando ele tinha 12 anos. Fui eu que o ajudei a superar. Fui eu que estava lá, sendo seu ombro amigo.

Eu me dava melhor com meu pai que com minha mãe. Minha mãe era uma mulher ótima, claro. Acho que puxei muito a ela. Essa mania de querer estar certa, de ajudar não importa o que custe, de ser forte. Principalmente forte. Eu me inspirava muito na minha mãe. Minha mãe também era orgulhosa. Queria sempre mostrar aos outros que conseguia fazer qualquer coisa sozinha. Bom, também herdei isso dela.

Mas com meu pai havia algo maior. Foi meu pai que me levou para dormir todas as noites quando eu era criança. Ele sempre contava histórias, sendo de livros ou das que passavam pela sua cabeça. Eu o amo muito. Não sei o que seria de mim sem ele. É este homem que sustenta essa casa, não apenas financeiramente, mas em todos os outros sentidos. Ficarímos desnorteadas sem meu pai, eu e minha mãe.

Theo acabou de comer e já saiu correndo para fazer algo. Minha mãe pousou os talheres e pigarreou, fazendo-me olhar para ela.

- Alexia, precisamos conversar sério com você. Hoje, vi um novo anúncio no jornal. Os militares estão vindo pegar homens para participarem do exército. Eles aparecem a qualquer hora, seja dia ou noite, e os levam, sem deixar escolha de ficar.

- Mas o que eu tenho a ver com isso?

- Allie, o anúncio do jornal avisava as cidadãs brasileiras. Estão também capturando mulheres, moças como você. Ainda não sabemos o porquê, provavelmente é para realizarem algum trabalho, pois duvido muito que estão sendo alistadas no exército. - diz meu pai.

- O que Marcos está querendo dizer Alexia, é que não queremos mais que você saia tanto na rua como tem feito ultimamente. Não queremos te trancar em casa, como esse... - senti que ela escondia um xingamento dos feios - ...presidente tem feito no país, para com todos nós. Mas nos preocupamos. Aqueles homens não vão hesitar em te levar daqui, sem ao menos despedir-se de nós.

Agora eu também corria perigo. Assim como minha mãe. Provavelmente, capturavam as mulheres para escravizá-las. Abaixei a cabeça, já não conseguindo comer pela perda de apetite. Não havia nada que eu pudesse dizer no momento. O silêncio era minha melhor alternativa.

- Não é somente isso, Verônica - disse meu pai a minha mãe, que o olhou com as sombrancelhas franzidas - Os outros países estão começando a sentir falta das exportações do Brasil. Alguns estão declarando guerra. Países fortes, como Estados Unidos, Europa, Rússia. Estamos correndo sério perigo; eles querem invadir o país para roubar o que "era deles".

- O que... O que faremos? - gaguejei.

- Aprenderemos como sobreviver a bombas.




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