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Quando acordei, já estava anoitecendo.

O brilho na janela não estava forte, eu conseguia ver um fragmento da lua no céu. Uma movimentação fora do quarto chamou minha atenção, e fui ver o que era.

No quarto de minha mãe, suas coisas haviam sumido e havia várias caixas de papelão espalhadas, a mesma coisa no quarto de Theo. Desci as escadas e encontrei minha mãe na cozinha, encaixotando panelas e vasilhas.

- O que está fazendo? - pergunto, segurando seu braço para impedi-la de continuar.

- Allie, vamos nos mudar. - eu fiz uma cara de espanto e confusão - Essa casa é de aluguel... Sem o seu pai aqui, não podemos continuar pois não sou capaz de sustentar tudo. Eu saí hoje para arrumar algum emprego, e consegui numa fábrica de queijos, mas o salário não é nada extraordinário... Então vamos nos mudar para a casa da sua avó, no interior da cidade. Vamos viver bem lá.

Tirei lentamente a mão de seu braço. Minha boca estava aberta de surpresa, eu sentia isso. Me virei lentamente e andei pela casa, já sentindo saudades desse lugar mesmo sem ter saído. Minha mão estava apoiada no lugar do hematoma nas costelas, e meus olhos percorriam todos os cantos da residência, o lugar onde eu cresci, onde vivi tantas aventuras, onde conheci Matthew Correia. Eu não queria abandonar essa casa, ela tinha incontáveis lembranças da minha vida e da de meu pai. Mas era preciso.

Então apenas subi lentamente as escadas para o meu quarto, peguei caixas vazias que estavam no corredor e empacotei minhas coisas, em silêncio, sem protestar, sem reclamar.

Eu e Mat resolvemos dar uma caminhada no bairro para acalmar os nervos enquanto conversávamos. Durante um tempo, guardei dentro de mim a certeza de que não deveria informá-lo sobre a mudança, mas se eu não falasse agora, ele descobriria de um modo pior. Então, contei tudo.

Por um momento, Mat abaixou a cabeça, pensativo. Caminhamos alguns segundos em silêncio, e eu entendia que ele estava absorvendo a informação. Iríamos nos mudar rapidamente, isso era o pior. Notícias ruins são ruins, mas para mim, o pior é o modo de contá-las. Você não sabe se dá uma explicação antes, tentando de algum modo amenizar a má notícia que a pessoa receberá, tentando prepará-la. Você não sabe se já vai direto ao assunto, arrancando o band-aid de uma vez, evitando sentir a dor aos poucos. Acho que prefiro a segunda opção. É como uma injeção da verdade: dói, mas resolve tudo e acaba de uma vez.

- Tenho uma coisa para te contar também - murmurou Mat. Não senti um bom estar após essa frase. Seu tom de voz me deu a certeza que algo bom não estaria por vir.

Eu me lembro do dia que conheci Matthew Correia.

Eu tinha oito anos quando um caminhão de mudança parou do outro lado da rua, na frente da casa branca de três andares já abandonada há algum tempo.

Sentada no meu triciclo, eu observava enquanto homens iam e vinham do caminhão até a casa. Mas, aparentemente, não vi ninguém que moraria ali. Entrei dentro de casa, deixando a curiosidade de lado.

Uns dois dias depois, a curiosidade venceu e eu saí para o quintal de minha casa, imaginando se os novos vizinhos tivessem um filho ou filha da minha idade. Seria perfeito, não havia nenhuma criança naquela vizinhança, eu era solitária. Desejei com todas as minhas forças que se existisse alguma criança ali, esta saísse para fora naquele momento e faríamos amizade. E bem, aconteceu. Fiquei surpresa quando um menino moreno de pele, olhos e cabelo saiu da casa e foi se aproximando vagarosamente de mim.

Acho incrível como crianças fazem amizade tão fácil. Eu e Mat nos demos bem logo de cara. Ele se mudara do Rio de Janeiro para Minas Gerais por causa do trabalho do pai. Então, no começo fora assim. Ele falando arrastado e eu, com minhas gírias mineiras. Ríamos demais um do outro. Dez anos se passaram e nunca mais nos separamos.

Fui acompanhando Mat saindo da rua e indo para a calçada, passando na frente das casas da rua, que mesmo tendo uma certa iluminação, era difícil de enxergar. A lua já estava no auge e o único som audível eram os grilos.

- Sabe, por causa dessas bombas, principalmente por uma dela ter caído justo na nossa rua, meu pai está muito desconfiado quanto a nossa segurança. Então...também vou me mudar - murmurou ele, de cabeça baixa.

- Eu até discordaria, mas é verdade mesmo... - concordei - Mat? Já que você vai se mudar, poderíamos nos mudar para lugares próximos! Eu vou morar mais no interior da cidade, no campo, onde as bombas não atingiram até agora, o que aparenta ser mais seguro...

- Não, Allie, você não entendeu. Eu não vou apenas mudar de casa. - olhei para ele com dúvida no rosto, e percebi que estávamos bem do lado do beco vizinho à casa de Mat.

- Como assim?

- Vou me mudar para longe. Para outro estado.

Estaquei onde estava. Não sabia o que falar, o que fazer. Eu não podia, não podia perder Mat. Seria o fim para mim. Já havia perdido meu pai. Agora ele?

Dirigi minhas mãos para meus olhos, a fim de controlar as lágrimas que ameaçavam vir, e Mat me olhou com ternura. Fechei as pálpebras por um momento, e o garoto me puxou, pelo que eu imaginei de início para um abraço, mas ele continuou me puxando e quando eu abri os olhos, estava tudo escuro, e Mat se aproximou de mim a ponto de deixar um fio de ar entre nós dois.

Estávamos dentro do beco. Mat apoiou um de seus braços na parede atrás de mim, e chegou ainda mais perto. Senti minha respiração já sendo cortada antes da hora. Dei uma olhadela para o lado e percebi os clarões no céu. Bombas.

- Mat... - sussurrei

Ele colocou um dedo em meus lábios, calando-me. Seu dedo logo desceu para meu queixo e então para meu pescoço.

- Dessa vez você não me escapa.

E me beijou.









Nota da autora

Próximo cap é daqueles u.u
Provavelmente, só vai sair na quarta feira! É que eu vou viajar e não tenho certeza que lá vai ter wifi (afastada do mundo por 2 dias) já que eu não tenho crédito :')
Digam o que estão achando, se acham que eu devia mudar alguma coisa, sei la (apesar que né, não vou mudar a história hueheuehe)

Vlw
Flw

RevoluçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora