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Quando acordei, estava no meu quarto.

Fui tomada por uma imensa alegria; cheguei a sorrir enquanto levantava da cama, empolgada, ansiosa, esperançosa. Meus cabelos estavam meio molhados, mas deduzi que fosse suor. A mesma roupa da noite anterior; o silêncio na casa; a janela seca; um alívio imenso.

Corri pela casa, atravessando o corredor; até gargalhei ao descer as escadas. Foi só um sonho, foi só um sonho...

Foi aí que percebi o motivo do silêncio.

Um vento relativamente forte balançava meus cabelos. Vinha da porta de entrada, que fechei. Assim que me virei, vi uma mulher jogada no sofá da sala. Verônica Siena nunca aparentou ser uma total estranha, até agora. Cheguei perto da minha mãe. Ela estava com um braço e uma perna caídos da beirada do sofá; seus olhos estavam inchados; a mão restante, em cima do peito. Incontáveis garrafas de bebida pelo local; vodka, uísque, até mesmo cachaça; eu não fazia ideia que tínhamos essas bebidas em casa. Da mesa de centro, que antes era de vidro, só restava o suporte, pois alguém a quebrara. Assim como os vasos de flores de vidro, que derrubaram toda a água no chão; e a tela da televisão. Ela estragara tudo. Perto de seu quadril, havia um líquido amarelo que escorria da borda do sofá e formava uma poça no chão. Tive ânsia.

Não me admirava.

Subi correndo as escadas; as lágrimas já queimavam em meus olhos, ameaçando sair. Virei na terceira porta do corredor, entrando no quarto de Theo. A luz invadia o cômodo pela janela, o que deixaria qualquer um incomodado para dormir. Mas com certeza ele estava exausto. Me aproximei, escutando a sua respiração calma. Seu rostinho ainda estava molhado de lágrimas. Os olhos, bem inchados e vermelhos, de tanto esfregá-los. De repente, ele começa a choramingar, com os olhos fechados, sonhando. Lembrando da última noite. Então era um pesadelo.

Não foi um sonho. Foi real.

Meu pai foi levado para o exército.

Minhas pernas cederam, fazendo-me ajoelhar no chão de madeira do quarto, curvando-me enquanto abraço meu tronco. Não consegui segurar as lágrimas que encheram meus olhos. Borboletas voavam em meus estômago, e correntes de ar frio percorriam meus membros.

Eu sou sempre o tipo de pessoa que diz para todo mundo ter fé, ser forte e acreditar. Mas olhe para mim, eu estou um caco.

Depois de um tempo, decidi levantar daquele chão e descobrir o que aconteceu de verdade. Queria ouvir com meus próprios ouvidos. Sei que a provável verdade fosse horrível, mas eu precisava ter certeza.

Antes de descer as escadas, resolvi ir para meu quarto e tomar um banho demorado. Deixei que a água quente do banheiro levasse embora pelo ralo toda a minha aflição, todo o meu medo, todas as minhas lágrimas. Saí sentindo-me parcialmente uma pessoa nova. Por fora, sentia-me bem; mas por dentro, não poderia estar pior.

Vesti meus jeans e uma regata; estávamos naquela época do ano em que não está quente nem frio, o que é raro no Brasil. Ou aqui está quente ou está uma sauna.

Fui descalça mesmo para o andar de baixo, não sem antes dar uma olhada em Theo, que ainda dormia. Minha mãe não estava mais na sala, então deduzi que estaria em seu quarto.

Olhei no relógio do microondas da cozinha e já eram 14:36.

Caramba, não comemos nada desde ontem a noite! Como se somente ver a hora me desse noção da última refeição, meu estômago roncou, e percebi a fome que sentia. Sei que minha mãe não estaria disposta a preparar nada, então fui eu mesma fazer o almoço. A louça da janta já estava guardada, o que facilitou o meu trabalho.

Fiz uma típica comida mineira e subi no andar de cima para acordar Theo e minha mãe. Entrei no quarto de meu irmãozinho, balancei-o de leve e o instrui, dizendo que sua comida já estava no prato, na cozinha. Ele deu um pequeno sorriso e se foi. Meu coração doía ao pensar que esse garoto passou por uma coisa tão ruim, tão pequeno.

Suspirei e adentrei no quarto de meus pais. Como previ, minha mãe estava jogada na cama. Gemia de vez em quando, movimentava-se constantemente, ansiosa.

- Mãe? Fiz algo para comermos... Já faz tempo desde a última refeição, então é melhor você...

- Não - ela me interrompe - tenho uma dor de cabeça terrível. Não estou com fome, coma com seu irmão. Ah, como dói.

- Certeza que é por causa da bebedeira que fizeste ontem!

- Não estou falando da cabeça!

- Onde dói, então?

Ela apoia a mão no peito, próximo ao coração.

- Aqui.












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