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Ao sair de casa, logo fui tomada por um peso na consciência por deixar duas almas mais que feridas para trás. Mas nada aconteceria, então eu não estava abandonando-os. Precisava tomar um ar. Precisava falar com ele.

Assim que o vi, suspirei de alívio. Claro que só foi necessário atravessar o gramado do quintal da minha casa e entrar na rua para que ele também saísse do lado de fora e eu pudesse vê-lo, mas mesmo assim, quando o abracei, senti uma alegria enorme apenas por existir. Apenas por estar lá.

Ele me deu aquele abraço que tira a gente do chão... Seus barços envolviam minhas costas e os meus, seu pescoço. Fechei os olhos, aproveitando o momento. Agora, cada momento poderia ser o último. Aprendi isso há pouquíssimo tempo.

- Estou tão feliz de te ver! - disse.

- Estou tão feliz de te ver bem! - disse Matthew, sua voz abafada pelo meu braço.

Ele me soltou, e logo que voltei para o chão, me senti vulnerável e desprotegida, mas não deixei isso transparecer. Dessa vez, fomos até sua casa, no balanço antigo que ficava no quintal.

- Ontem a noite... - eu disse, olhando para minhas mãos - Acordei na minha cama, no meu quarto. Mas não foi minha mãe que me levou lá, pois duvido que aguentaria o peso, quanto mais por causa...

Houve uma pausa. Era mais difícil do que parece dizer aquilo em voz alta.

- Fui eu - admitiu Mat - Quando você apagou na rua, já te levei correndo para sua casa para você não se resfriar demais - mais um minuto de pausa - Você está bem?

Essa pergunta poderia ser considerada muito óbvia em vários casos. Claro que eu não estava bem. Minha mãe perdeu totalmente o espírito de dona de casa; não faço ideia de como eu e minha família ficaremos daqui pra frente, sem meu pai para sustentar a casa; meu pai foi levado à força para o exército, sem preparo algum, com grande chance de morte ao pisar no campo de batalha.

Mas esse era Matthew. Ele não agia como na maioria dos casos. Sua pergunta ia muito mais além do que acontecera na noite anterior. Ele queria saber se meu corpo estava bem, se minha mente estava bem, se as circunstâncias estavam bem.

- Por enquanto, sim - me movimentei no balanço, assim como meu amigo - mas não tenho certeza de que ficarei assim por muito tempo.

- Por que não? - a preocupação estava estampada em cada canto de seu rosto.

- Leu o jornal de hoje? - ele negou com a cabeça - Estados Unidos declararam guerra contra o Brasil.

Como se isso fosse um sinal, apareceram cerca de cinco aviões no céu. Eles se espalharam, quatro deles sumindo de vista. Explosões começaram a surgir. Vimos um clarão no céu, como uma estrela cadente, atravessando o infinito azul e caindo a algumas ruas de distância. Poderia ser considerado lindo, se não fosse mortal. Alguma família, alguma pessoa, morreu hoje. Mas eles com certeza não serão os primeiros e últimos.

O terror apenas começara.

Antes que eu pudesse ter qualquer reação, Mat me pegou pela mão e foi me guiando às pressas para sua casa. As explosões balançavam o solo, fazendo-nos cambalear a cada passo.

Parei no meio do caminho, o que chamou a atenção de Mat. Ele olhou para mim, confuso, assustado, com pressa. Eu não conseguia pronunciar uma palavra; então gestifiquei para minha casa, e Matthew entendeu. Eu não poderia abandonar Theo e minha mãe, principalmente agora.

Ele deu meia volta e disparou em direção a minha casa, e eu logo atrás. Entrelaçamos os dedos para não ter perigo das mãos se separarem.

Já estávamos no meio da rua, bem perto. Mesmo no meio daquela confusão, daquele perigo, eu consegui soltar um suspiro e abrir um sorriso de alívio, pois sentia que todos ficaríamos bem. Fomos diminuindo o passo, os dois sorrindo, prontos para celebrar a vitória, entrando no quintal.

Um clarão novamente iluminou o céu, só que dessa vez, trouxe uma onda de calor e um ruído alto consigo. Não me importei com isso até perceber que Mat soltou minha mão, e eu voei para trás, ouvindo um estrondo enorme que ensurdeceu meu ouvido direito, e logo após uma fincada nas costelas.

Minha última visão foi a casa, em chamas, destruída, e Matthew a alguns metros, desmaiado. A escuridão tomou conta de mim novamente.

Abri os olhos lentamente, deixando-os se acostumar com a luz. Tentei levantar, mas uma dor aguda nas costelas me impediu. Acabei batendo o corpo no pequeno muro que separava minha casa da do vizinho. Levantei a blusa para ver como estava o machucado, e havia um hematoma enorme; pelo menos, nenhum sinal de osso quebrado.

"Aprenderemos como sobreviver a bombas"...

Levantei-me com dificuldade, gemendo, apoiando meu peso no braço enquanto sentia a dor latejante nas costelas. Uma brisa bateu e senti algo pegajoso na lateral do meu rosto. Passei os dedos ali, e percebi que era sangue que saía da minha orelha. Falei algumas palavras e não conseguia ouvi-las no ouvido direito.

Fiz uma careta de decepção mas logo afastei esse sentimento, pois algo muito pior poderia ter acontecido. Lembrei de Matthew, mas ele não estava mais no lugar de antes. Uma onda de desespero me invadiu e eu resolvi tomar coragem para olhar a casa que foi atingida pela bomba.

Era a casa do vizinho. Ao lado da minha.

Soltei um longo ar de alívio, logo me sentindo culpada por esse ato. Minha família pode ter ficado bem, mas quem quer que estivesse naquela casa, a casa dos Souza, com certeza morreu, ou está gravemente ferido. Optei pela primeira opção pois não ouvia som nenhum saindo da casa.

Finalmente, decidi entrar em casa para ver como Theo e minha mãe estavam. No entanto, minha mãe apareceu na porta com um pano molhado, apressada. Olhou para mim com surpresa e abanou o pano, então corri para encontrá-la.

- Querida, você está bem? - perguntou preocupada.

- Bom, eu... - gaguejei, ainda estava em choque - eu não estou ouvindo nada na orelha direita e... Tem sangue aqui... Bati as costelas...

Ela estendeu o braço, limpando a região embaixo de minha orelha, eliminando o sangue.

- Você e Theo estão bem? Onde está Mat? Você não deveria ter saído de casa...

- Shhh... - sussurou ela. Instantaneamente, lembrei de meu pai - Matthew está bem. Ele dorme no quarto de Theo. Eu e seu irmão estamos bem. Assim que vi vocês jogados na rua, tive que sair...

- Mas era muito perigoso! - a interrompi

- Mas nada aconteceu. Estamos bem. Acalme-se, Alexia.

O seu tom de tranquilidade me atingiu inesperadamente. Ela falava como se eu apenas tivesse ralado o joelho numa corrida de bicicleta.

Após os cuidados de minha mãe, subi as escadas lentamente, tentando sem sucesso fazer com que a dor abaixo do peito fosse neutralizada. A cada degrau, eu sentia uma fincada que me fazia trincar os dentes. Finalmente no andar de cima, me arrastei até o quarto de Theo para ver Mat.

Meu amigo dormia, pelo que aparentava, tranquilamente. Havia um corte na sua cabeça logo acima da nuca, que devia ter sido feito no asfalto. Imaginei quanto tempo havia passado desde que fomos separados. Agachei-me com dificuldade e beijei sua testa. Fui segurar suas mãos e só aí percebi o quanto ambas estavam sujas. Saí logo do quarto e fui para o meu, deitando-me querendo descansar de novo.

Somente agora me dei conta de que as explosões pararam. Silêncio nunca fora tão barulhento para meus ouvidos.

















Nota da autora

Preparem o coração pro próximo capítulo. Emoção e raiva são combinaçoes perfeitas, não acha?

Vlw
Flw

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