Deitei na cama, vendo as luzes da noite pela janela. Era noite de lua cheia. Eu amo lua cheia. As coisas mais belas dessa vida são simples e insignificantes aos olhos humanos, passam despercebidas até que você olhe com mais atenção.
Fui interrompida de meus pensamentos por um barulho constante na minha janela. Fui ver o que era, e percebi que alguém jogava pedras na minha janela. Abri-a, olhando para fora, tentando ver quem estava lá, mas uma pedra acertou minha testa.
- Ai!
- Eita, foi mal! - reconheci Mat pela voz. Ele começou a rir e eu o acompanhei, apesar da leve dor na testa - Fui jogar na janela mas alguém atrapalhou.
- Não me culpe, queridinho. O que você quer?
- Quero que desça aqui. - disse ele, apontando para o chão logo a sua frente.
- Agora? Está muito tarde!
- Por isso mesmo! Venha, tenho que te mostrar uma coisa.
Pensei em fechar a janela e sair da casa silenciosamente como uma pessoa normal, mas eu já estava me sentindo uma marginal só pelo fato de sair de casa de madrugada, então saí pela janela, deslizei pelo telhado e droga, como eu ia pular?
- Vem amor, se joga que eu te pego.
Comecei a gargalhar, logo lembrei que não podia acordar meus pais e tapei a mão com a boca.
- Está bistontado¹, Mat? Eu posso morrer!
- Vamos, eu te pego. Confia em mim. - ele, com certeza, viu minha expressão mesmo nessa escuridão - Não tenha medo, Allie. Eu juro que vou te pegar. Vou até chegar mais perto - e deu uns passos para a frente.
Parei bem na beira do telhado, olhando para baixo. Era uma distância considerável, já que minha casa tinha dois andares. Se Mat não me pegasse, o mínimo que me aconteceria é amputar as pernas.
Mas decidi confiar nele.Fechei os olhos. Grudei os braços ao lado do corpo. E pulei.
Senti os meus cabelos voando acima do rosto, e por um momento achei que não fosse cair nos braços de Mat. Mas logo senti dois braços fortes que me pegaram, apertando-me ao lado do corpo para certificar que continuaria ali. Abri meus olhos, vendo o rosto de um menino bonito, olhos castanhos e sorriso de orelha a orelha. Estávamos bem perto. Matthew se desequilibrou e acabou caindo na grama do meu quintal, comigo por cima. Caímos na risada.
Ele ainda me abraçava, como se aquele simples ato pudesse me proteger, como se certificasse que nada aconteceria comigo, que nada nesse mundo poderia me atingir se estivesse ali, presa no seu conforto.
A risada foi acalmando, e eu decidi levantar minha cabeça que estava deitada em seu peito, olhando-o atentamente.
Matthew era um homem bonito. Seus cabelos castanhos, como os meus, estavam iluminados pela luz da lua, e seus olhos da mesma cor me observavam como que dizendo "Está tudo bem". Sua pele, que já fora morena - agora adquire uma tonalidade clara - destacava-se contra minha pele morena. Foi então que me dei conta de como nossos rostos estavam próximos, e para não parecer um movimento brusco, olhei para o lado, e ele afrouxou os braços, deixando-me sair de cima de seu corpo, caindo na grama a seu lado.
- O que vamos fazer? - perguntei
Mat se levantou, sacudindo a bermuda para liberá-la da grama. Estendeu a mão para mim.
- Surpresa. Venha.
Ele me ajudou a levantar, e seguimos caminho. Já estava ficando ansiosa.
Tudo bem, só agora percebi que estava com mimha roupa de dormir. Mas não era lá tão..." pijama". Eu vestia um moletom preto e shorts de pano azul. Cheguei a falar isso para Mat, mas ele disse que não tinha importância, então não esquentei a cabeça com isso.Mat me olhou sério.
- Alexia Luciana Siena. Prestenção².
- Me chamando pelo nome inteiro. O que foi? Juro que não fiz nada!
- Por que o elefante não pega fogo? - hã? Que sentido isso tem? Mat ainda me olhava seriamente, e eu sentia a minha expressão de dúvida e confusão no rosto.
- Sei não!
- Por que ele já é cinza! - então ele me olhou, sorrindo maliciosamente.
Não acredito. Cobri meu rosto com as mãos e me joguei no chão. Amo piadas ruins. Dá para perceber pela risada que dei naquele momento. São tão ruins que chegam a ser engraçadas. Isso aliviou um pouco a minha ansiedade. Quando me acalmei, levantei-me, seguindo Mat até a ponte no lago.
- Espera! - gritou ele, estendendo os braços para tirar minha visão do local - Feche os olhos.
Obedeci. Senti sua mão nas minhas costas, guiando-me. A sua outra mão segurava a minha esquerda. Pude sentir que subimos na ponte. Então, Matthew se soltou de mim, e me mandou abrir os olhos.
É meio impossível explicar decentemente a vista da ponte.
A lua cheia estava enorme. Gigantesca mesmo. Parecia que resolveu se mover para observar esses dois jovens numa pequena ponte na Terra. Estava branca além de mármore, com tons prateados que refletiam no rio, iluminando cada canto dos arredores. Vagalumes voavam em volta deste cenário, como pequenas estrelas que desceram do céu para observar-nos mais de perto, assim como a esfera branca que reinava na noite.- Que coisa mais linda! - exclamei.
- Coisa mais linda sou eu! - disse Mat, logo depois de bufar.
Sorri diante de seu comentário, virando-me para ficar de frente a ele. O garoto pega minhas mãos, balançando-as, brincando.
- Como sabia disso? - pergunto.
- Já faz um tempo que tenho procurado os simples prazeres da vida humana. Comecei a observar a lua e, quando passei por essa ponte, tive a certeza que na noite de lua cheia seria um espetáculo incrível. E, como sei que você ama observar a lua, te trouxe para cá.
Meus lábios abriram-se num sorriso. Matthew era maravilhoso. Sortuda seria a sua futura esposa. Fiquei perdida em seu rosto iluminado apenas pela lua, e somente percebi sua aproximação ao sentir sua respiração em meu rosto e sua bochecha encostada na minha, deixando nossos lábios quase roçados.
Meu sorriso sumiu, mas não por insatisfação, e sim por susto. Nunca pensei que eu e Mat poderíamos sair da amizade para...algo maior. Ele colocou a mão no meu pescoço, e nossos lábios roçavam quando ouvi um barulho que cortou o silêncio da noite.
Pulei de susto, e Mat se afastou. Consegui ver, ao longe, um carro com um trovão desenhado.
O símbolo de Armando Trovão, pensei.
- Abaixe-se! - disse meu amigo. Nos escondemos na ponte, observando o carro dobrar a esquisa depois de passar por nós.
- Matthew... - eu já estava ofegante, nervosa - Minha casa fica para aquele lado...
Sem pensar duas vezes, levantei-me, correndo na direção do carro militar. Ouvi Matthew logo atrás de mim. Mas não poderia esperar.
Virei a esquina, avistando a minha casa. E escuridão. Nunca senti um alívio tão grande.
Até que percebi uma movimentação no quintal de casa, ao longe. Faróis foram acesos. Um homem era levado à força de sua casa para dentro do carro. Uma mulher, no batente da porta, chorava amargamente, caindo no chão de desespero. Uma criança, atrás de si, acariciava seus cabelos, chorando igual à mãe.
Eu prometi para mim mesma que seria forte. Que não desabaria. Mas, uma garota caiu na rua, sentindo um enorme aperto no coração, permitindo a dor ser demonstrada por suas lágrimas, enquanto assistia o carro se afastar.
Nota da Autora
¹Bistontado: adoidado. Gíria mineira.
²Prestenção: presta atenção. Gíria mineira.Qualquer palavra que seja a junção de duas ou mais palavras, será uma gíria mineira. Se houver alguma gíria com significado não muito conhecido, vou colocar o significado aqui na nota.
Bezzos.

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Revolução
AventuraMentira, corrupção e injustiça são palavras comuns no Brasil. Mas guerra, isolação e escravidão, que retornou, são aspectos novos que surpreenderam a todos. Num Brasil futurístico, o novo presidente, Armando Trovão, torna a vida dos brasileiros um i...