Do lado de fora da minha casa, havia um cheiro forte de fumaça. Não era insuportável, mas também não dava para ignorar.
Diferente da maioria dos dias, as pessoas não estavam em suas casas. Havia uma multidão nas ruas e um aglomerado de gente na direção da fábrica têxtil. Não sabia o que estava acontecendo, mas resolvi continuar meu caminho, pois já estava atrasada para o trabalho. Corri até o ponto de ônibus, sentando-me na cadeira de plástico que havia ali e estranhei pois era a única por ali.
Vi uma mulher saindo de sua casa com o semblante preocupado e resolvi ir perguntar se ela sabia de algo.
Fui até seu encontro, pedindo licença e informação.
- Como não sabe, menina? É óbvio. Tá vendo aquela fumaça vindo de lá? - ela aponta pra direção da fábrica - É por causa de uma bomba que nos acertou. Bem pertinho. Caiu na fábrica têxtil. Duvido que qualquer pessoa ali perto tenha sobrevivido - ela balança a cabeça negativamente e eu agradeço.
Agora quem está com o semblante preocupado sou eu.
Peguei fôlego e corri de volta pra casa. Fui chegando perto da multidão e tive que abrir espaço entre as pessoas. Dava cotoveladas, empurrava, também era empurrada, e continuava a toda velocidade. Não pensei que por aqui houvesse tanta gente.
No final do aglomerado, tropecei numa pedra e caí de cara no chão, ralando meu queixo e meu cotovelo. Ótimo, estou precisando de mais machucados mesmo.Cheguei no meu prédio curvando-me na entrada, arfando, tentando pegar oxigênio. Depois entrei a todo o vapor e subi as escadas; os músculos das minhas pernas doíam e clamavam para que eu parasse, mas continuei subindo os três lances seguintes.
Finalmente cheguei no corredor, indo em direção à última porta. Quando cheguei perto, já a abri, pois minha mãe nunca a deixava trancada, não havia perigo.
Dentro do apartamento, a televisão ligada anunciava a tragédia que ocorreu no campo. Mostrava imagens do prédio da fábrica de tecidos. A que minha vó trabalhava. Um sentimento de culpa enorme fez meu corpo gelar.
Minha mãe saiu de um canto do quarto, chorando. Ela fechava seu punho na saia de seu vestido e a outra puxava seus cabelos. O peito tremia e as pernas dobravam-se para atingir o chão.
- Não estamos seguros aqui... em nenhum lugar - ela murmurou, e depois soluçou entre os meus braços.
☀
Dessa vez, na biblioteca, eu e Malia trabalhávamos em silêncio. A ruiva já sabia o que havia acontecido - eu sempre sou a última a saber das coisas - e eu lhe contei que minha avó trabalhava naquela fábrica. Foi como um sinal de respeito e consideração, aquele silêncio.
Estava desencaixotando alguns livros quando percebi uma movimentação constante em Malia. Ela coçava o braço em diversas partes, no exato lugar em que estava um pequeno inchaço. Suas pernas descobertas também lhe incomodavam.
- Tá tudo bem? - pergunto
- Mosquitos. Odeio mosquitos. - ela reclama
Sorrio e deixo isso de lado. Continuo o meu trabalho, tentando ao máximo ocupar a mente decorando nomes de livros e seus autores ao invés de mortes, bombas e Brasil.
☀
No caminho de volta para casa, andei devagar para colocar os pensamentos em ordem. Aproveitei a brisa fresca que batia no meu rosto e secava as lágrimas nas minhas bochechas. Manti a cabeça abaixada no trajeto.
Passei por uma rua estreita e no meio fio avistei uma nuvem de mosquitos ali. Haviam tantos, que eu conseguia ouvir o leve zumbido fino que faziam. Me distanciei; não queria virar janta de mosquito e ficar me coçando como Malia. Aumentei o passo e logo cheguei ao ponto de ônibus, entrando no veículo e tombando minha cabeça no banco, achando a única saída que tinha para me livrar dos meus pensamentos.
Nota da autora
EU NÃO MORRI \Õ/
Acho que sou um pouco vacilona. Demorei um tempão pra postar, e quando posto, o capítulo é pequeno :v
Desculpa :(
S2
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Revolução
AdventureMentira, corrupção e injustiça são palavras comuns no Brasil. Mas guerra, isolação e escravidão, que retornou, são aspectos novos que surpreenderam a todos. Num Brasil futurístico, o novo presidente, Armando Trovão, torna a vida dos brasileiros um i...