Mikaela

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Mikaela observava Kant e o estranho conversando. Estava nervosa. O que quer que acontecesse ali seria culpa dela.

Eles haviam saído da estrada principal a seu pedido, quando percebeu uma presença mágica próximo a eles. Pensaram que na pior das hipóteses poderia se tratar de um monstro, cujo os espólios poderiam vender a bom preço e na melhor das hipóteses seria a sorte grande, um mago.

Os magos vinham sendo perseguidos nos últimos anos, já haviam muito poucos e encontrar um refugiado seria muito útil. Caso se tratasse de um com tendências maléficas poderiam vender aos caçadores por um excelente preço, caso não, seria uma ótima aquisição para o grupo.

Para sua surpresa encontraram aquele jovem completamente nu, fazendo movimentos estranhos, possivelmente uma tentativa de invocação ou algum gesto mágico. Os demais vinham discutindo se ele seria realmente um mago ou apenas um louco. Ela sabia que louco ou não havia muito poder naquele ser, mas, para variar, não era chamada para as discussões, o que era natural, pois no início quando participava apenas observava e se mantinha em silêncio mesmo quando sua opinião era solicitada.

A questão em voga era como proceder a investigação sobre ele. Haviam chegado a conclusão que questionamentos diretos no meio da floresta seriam perigosos e provavelmente só gerariam mentiras, mas ali o espaço para grandes movimentos ou para fuga seriam menores e arrancariam a verdade.

Apesar de já ter se unido ao grupo a mais de dois anos e estar acostumada com esse procedimento, não conseguia deixar de ficar apreensiva, havia algo fora do comum nele. A aura de magia que exalava não era pura, parecia a mistura de algo, uma magia ancestral como alguma maldição, algo milenar. Fosse o que fosse a verdade é que não conseguia parar de fitá-lo. O mesmo efeito parecia ter se dado com Tamyla, de forma mais mundana claramente, mas isso era comum, ela sempre agia assim com os homens que considerava atraentes ou quando estava entediada ou sem companhia para sua cama a muito tempo.

Não conseguia ouvir o que conversavam de onde estava mas notou que a tensão entre eles aumentava. A posição de Auriel já lhe era familiar, sabia que estava com um punhal encostado nas costas do jovem e olhar que ele trocava com o comandante estava carregado de ódio. Sentiu que sua aura mística começava a ferver. Algo aconteceria e tinha a impressão que não seria algo bom. Sentia a sombra da morte se aproximando e não sabia de quem seria.

Tentava enxergar os olhos azuis do estranho, azuis não como os seus, mas muito mais profundos e brilhantes. Desde a primeira vez que o vira percebera que ao fitá-los não havia como parar de olhar, era como um hipnotismo. Chegara a escrever em seu diário que o poder que aqueles olhos exerciam eram como o do sol sobre uma pessoa cega que após recuperar a visão olha ininterruptamente o sol até perdê-la novamente. Era como a atração que o abismo gera sobre os homens.

Pela primeira vez na vida analisara se um homem era ou não atraente e sem chegar a uma conclusão se auto-punira durante a noite. Sua vida estava entregue a deusa. Era pecado pensar em certos assuntos, tinha obrigação de se manter pura, de corpo e mente. Refletia se aquele tipo de sensação que ele gerava nela não seria fruto de um poder maléfico, como o exato oposto do seu e seria exatamente isso que a atraía, afinal os opostos sempre se atraem.

O ar do recinto se tornava cada vez mais pesado. Sentiu que o poder que o estranho exalava estava prestes a explodir e então viu que seus cabelos começavam a mudar de cor o negro se tornando azul-escuro e as mechas brancas ganhando pouco a pouco uma tonalidade azul brilhante. Levantou-se pronta para gritar, antevendo a luta, mas antes que pudesse fazê-lo, uma mão antepôs-se em seu caminho. Era Tamyla, que sem olhar para ela obstruiu seu caminho e colocou em um gesto automático sua outra mão na ausente aljava. Ao perceber que ela não estava nas costas, xingou e começou a correr em direção ao grupo.

Tudo então aconteceu em velocidade excessiva.

O jovem, já com os cabelos tomados de azul e sem se levantar, jogando todo o peso do corpo nas pernas flexionadas, atirou a cadeira para trás com as mãos segurando o assento e girou o espaldar aberto da cadeira ao redor do pulso de Auriel torcendo-o e a obrigando a largar o punhal.

Kant também em velocidade impressionante, sacou a espada da bainha mas não teve tempo de desferir um golpe sequer. Mantendo o corpo suspenso com apenas uma perna o estranho chutou a mesa, virando-a em cima do guerreiro que perdeu o balanço e caiu sem soltar a espada.

O estranho com um salto tomou novamente sua estranha posição de combate, com o corpo arqueado para a frente, um dos joelhos flexionados e a outra perna esticada para trás. As palmas das mãos abertas com o pulso dobrado à frente. Suas unhas pareciam ter crescido, como as de uma fera ou... de um demônio. Amaldiçoou o fato de não saber sequer seu nome, de não ter identificado a origem de sua magia, de tê-lo levado até ali, onde não teria tempo de desfazer a maldição, se esse fosse o caso, e se realmente fosse um demônio, vir a ser responsável pela possível morte de tantos civis. Apesar disso ela ainda não acreditava tratar-se de um monstro. Havia sim um intuito assassino, mas não percebia nenhuma energia maligna nele. Era como uma força da natureza, o que não podia ser ruim e certamente não merecia morrer ali.

Os demais já se aproximavam. A música havia parado. Por mais curiosa e preocupada que estivesse com a inocência dele a sua decisão era óbvia. Tinha que defender os companheiros, devia muito a eles.

Começou a preparar uma magia.

Tamyla atacou com as mãos nuas. O estranho girou nos calcanhares com graça, como se ainda estivesse dançando, deixando a perna esticada, fazendo a elfa tropeçar e cair de cara na cadeira quebrada no chão. Sangue escorreu pela madeira, talvez um corte, talvez um nariz quebrado.

O guerreiro já estava de pé reequilibrando a espada, ainda zonzo. O estranho com as garras fechadas desferiu um golpe mirando a jugular do mercenário. Ele era muito rápido. Kant não teve tempo de se defender e nem ela de lançar sua magia. Mas não foi necessário.

Contrariando o ditado sobre o que vem debaixo, a maça do anão atingiu o estranho no queixo fazendo seus pés deixarem o chão. Foi possível ouvir o som do maxilar se quebrando e ele caindo, com um estalido, desacordado no chão.



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Amigos leitores, como os primeiros capítulos tinham como foco narrativo Mácula, para não deixar repetitivo preferi deixar os capítulos numerados, principalmente por tê-los mais curtos para facilitar a leitura no celular, no entanto nos próximos capítulos, como já ocorreu nesse, o foco narrativo será em outros personagens. O que acham? Devo continuar com a numeração ou passar a usar o nome dos personagens como título dos capítulos?

Por favor não deixem de comentar e votar caso gostem dos capítulos. Estou feliz com o retorno que venho recebendo, a obra já está no top #100 e com mais de 200 views em apenas uma semana e quase nenhuma divulgação.

Muito obrigado a todos! :D

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Mácula - Dragão AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora