Tamyla

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- Licantropo? Quer dizer que estamos lidando com um lobisomem? - Perguntou Kant.

- O pelo era de raposa. Está mais para Raposomem. - Meteu-se na conversa o anão sem perder a piada.

- Parece ser mesmo algo assim. - Disse Auriel.

- Esperem, esperem! - Gritou Zet. - Pela expressão de bumbum já imagino que ele vá perguntar o que é uma raposa ou um lobisomem. Estou certo?

- Eu conheço lobisomens.

- Como alguém que diz ter sido um dragão, aliás como qualquer pessoa pode já ter visto um dragão e nunca ter visto uma galinha?

- Ora, essas tais galinhas nada tem de especial, são muito pequenas, quando eu saía para caçar não perdia meu tempo buscando seres tão insignificantes. Seria como vocês caçarem....bem... mosquitos não sei. Com um detalhe, os mosquitos pelo que percebi essas noites voam muito melhor e ainda causam algum desconforto. Seria então talvez aqueles mosquitos sem asa, é...

- Formigas, imagino. - Interrompeu a conversa paralela o guerreiro. - Temos que nos dividir e buscar logo o culpado antes que chegue a noite. Apesar de terem nos enganado o prêmio ainda é muito bom, mesmo que para um lobisomem.

- Essa é a última noite de lua cheia do mês. Não teremos outra oportunidade.

- Auriel está certa. Será melhor se nos dividirmos. Auriel, Zet e Mykaela irão pelo lado leste e eu, bumbum e Tamyla iremos pelo oeste.

- Kant...

- Eu sei Auriel.

Tamyla mordeu o lábio ao ouvir aquilo. Sabia o que Kant estava fazendo. Não queria deixar nem Mykaela nem Zet perto de Mácula depois daquela confusão. Apesar do jeito bonachão do anão sabia que quando seu sangue fervia era quase impossível de detê-lo e por isso viria com o grupo B, já que a rastreadora provavelmente seria a primeira a encontrar a criatura. Ainda não conseguia engolir aquela ruiva insossa. Apesar de seu poder de cura ser útil ela enfraquecera demasiadamente o grupo. Eles haviam perdido seu melhor guerreiro. Reduzido aquilo que via agora.

Foi retirada de seu devaneio por Kant que já lhe fazia sinal para iniciar a busca.

Enquanto Mácula e Kant andavam pelo chão ela pulava pelos galhos das árvores buscando algo que provavelmente não encontrariam.

Ficou observando o novo membro do grupo. Não tivera coragem de voltar a falar com ele novamente depois que ele acordara. Não sabia o que dizer. Não sabia nem o que pensar. Apesar de se sentir estranhamente atraída por ele sentia que seria errado abusar de um rapaz provavelmente louco e ao mesmo tempo a forma como ele atacara o grupo tão descontroladamente e com um poder tão bruto a fazia ter um pouco de medo, apesar de não o confessar.

O crepúsculo chegava e eles estavam cada vez mais distantes da aldeia. Sua visão não era tão boa quanto a de Auriel no escuro mas seria o suficiente para acertar um monstro com prováveis mais de dois metros de altura. O problema é que enquanto não escurecesse iria se tratar de um simples humano e sem Auriel ou Mykaela no grupo não estariam aptos a saber se era a pessoa certa.

Kant, fez um sinal para que parasse e descesse para junto dele.

- O que houve?

Aquela hera costuma subir em pedras?

Tamyla se sentiu estúpida. Devia ter prestado mais atenção em vez de ficar pensando besteiras. Ela era o mais próximo que tinham de um especialista em flora. Aquela hera fora posta ali para encobrir algo. Provavelmente a entrada de uma caverna. Quase certamente o covil da fera que caçavam.

- Você está certo. Devo chamar os outros?

- Não. Temos que ter certeza. Não podemos nos dar ao luxo de passar mais vinte dias aqui retirando Auriel do rastro certo. Vou entrar. Fique aqui com o Bumbum.

Como haviam deduzido era a entrada de uma caverna. Não estavam aptos a dizer se era o esconderijo do animal certo. Poderia ser apenas o abrigo de algum urso mas pelo cheiro e pelos rastros certamente havia algo morando ali.

- É perigoso, Kant. Você não enxerga bem no escuro. É melhor que eu vá.

- Posso usar uma tocha.

- Uma tocha e uma espada não costuma ser uma boa combinação.

- Nem um arco se não houver tamanho para manobrar ou se esconder ou ainda se o monstro surgir de muito perto.

- Então desçamos juntos. Posso cobrir sua retaguarda e colocar fogo ao longo do caminho com minhas flechas. Deixamos bumbum aqui para avisar aos outros caso necessário.

- Uma boa ideia, mas....onde ele está?

Enquanto conversavam não perceberam que Mácula havia se entediado e decidira entrar ele mesmo para ver o que se passava. Talvez estivesse confiante após ver tantas criaturas fracas como a tal galinha, talvez fosse tivesse visto algo. A elfa já havia percebido que a visão dele era equiparável à de Auriel. Fosse como fosse decidiram entrar correndo atrás do jovem.

Havia limo pelas paredes e pelo chão. Kant estava com dificuldade de se manter em pé, apesar de toda a sua experiencia, a pesada armadura e a tocha na mão esquerda não ajudavam-no a manter o balanço. Tamyla muito mais ágil escorava-o pelo íngreme caminho quando ouviu um urro gutural.

- Espere.

Mas já era tarde. A elfa pôs se a correr em direção ao barulho largando o guerreiro à sua escorregadia sorte. Ela não se virou mesmo após ouvir o som de metal batendo contra pedra e um palavrão.

Quando chegou ao final da caverna mal teve tempo de processar o que acontecia. Mácula estava jogado em um dos cantos do covil com seu flanco esquerdo dilacerado. Das garras da mão direita da criatura pingava sangue. Não precisou ativar dois neurônios para entender o que havia acontecido.

Já com o arco em punho foi puxando flecha após flecha cravejando o monstro a sua frente e conseguindo sua atenção. Agora começava o problema, Não havia trazido nenhuma flecha de prata e aquelas obviamente não estavam surtindo efeito.

Ela deu um salto para trás esquivando habilmente da primeira investida da criatura e formulou um plano. Aquilo não se parecia com uma raposa apesar dos pêlos vermelhos que cobriam seu pescoço ombro e parte das costas, o restante do corpo possuía espécies de escamas misturadas a verrugas cravejadas por pelos brancos. As pernas eram levemente arqueadas como seria natural em um lobisomem, não possuía rabo, mas sua cabeça lembrava um pouco a de um lobo, só que com orelhas maiores e levantadas, seu focinho era repartido e haviam três fileiras de dentes em cada arcada. Era realmente a coisa mais feia que já vira na vida. Apesar disso tinha olhos e aquilo poderia ser sua salvação.

Deu mais uma pirueta escapando das garras que representavam quase um terço do longo braço da criatura, flexionou os joelhos em uma pedra pré-escolhida e voltou a se lançar lateralmente ao animal que se virou conforme ela já esperava. Sua flecha foi mais rápida do que as garras e ela atingiu um dos olhos do monstro.

O animal urrou e caiu em um joelho. Antes que pudesse arrancar a flecha, Tamyla com mais um disparo certeiro atingiu o outro olho da criatura.

Aquilo não o mataria mas daria tempo para salvar Mácula e fugir dali em busca dos demais.

No entanto, quando se virou o ex-dragão já não estava na parede que se encontrava antes. Os poucos segundos perdidos foram excessivos. O monstro os aproveitara para arrancar as flechas dos olhos e talvez guiado pelo instinto ou pelo faro preparava uma nova investida contra ela.

Tamyla colocou uma nova flecha no arco. Os primeiros disparos que fez no susto foram sem efetuar contagem. Acreditava ter apenas mais umas quatro ou cinco. Muito pouco para se livrar daquele monstro.

Quando apontou uma mão segurou a sua.

Era Mácula com os cabelos tomados em diferentes tons de azul.

- Não se intrometa. Ele é meu.

Mácula - Dragão AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora