Capítulo 3

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Passou os dedos pelo rosto com força, esticando a pele até quase fazer saltar os olhos. O que era aquilo? Ele era agora um humano de estatura mediana, cabelos negros com grossas mechas brancas, queixo firme, pele lisa, aparentava não mais que 20 anos, à exceção dos cantos de sua boca, que terminavam em uma profunda ruga, quase como uma cicatriz. Não entendia da estética humana, mas gostou daquele traço, lembrava-lhe sua antiga boca. Além disso, havia o azul vivo de sua íris e suas pupilas eram verticais.

Sentiu um toque em um de seus ombros. Ao se virar notou tratar-se de Tamyla. Ela às vezes o fazia pensar em árvores, não só por ser uma elfa, mas devido também as suas vestes verdes, e olhos e cabelos castanhos.

A arqueira fez uma mesura e questionou se de onde ele vinha eram as mulheres que tinham de convidar os homens para dançar. Só então percebeu que uma banda, improvisada pelos pescadores locais, tocava.

- De onde eu venho, conquistamos as fêmeas lutando.

- Não a toa o encontramos naquele estado, balançando a bunda para todos os lados. - Riu novamente com sua face debochada característica, levando três dedos à boca e inflando as bochechas.

- O que você quer dizer com isso? - Perguntou Mácula, desacostumado com o acasalamento humano, principalmente entre aqueles de mesmo gênero. - Além disso não sei dançar. - "Ao menos não com esse corpo" - Pensou.

- Venha, Bumbum. A titia vai te ensinar isso e outras coisas. - Pegou-o pela mão e o levou para o meio da taverna, onde o abraçou e o conduziu no ritmo certo.

Os movimentos se tornaram cada vez mais fluídos, a sensação era a de que recuperara os céus, que voava, deslizando os pés como deslizava as asas pelas nuvens. Pela primeira vez desde que acordara, conseguia um pouco de serenidade. Até que a música se tornou mais lenta....

O corpo de Tamyla pressionou mais fortemente o seu, como se pudessem ocupar o mesmo espaço. Pele com pele, o tecido das roupas roçando, o calor.... sentiu-se desprotegido sem suas grossas escamas. Conseguia sentir realmente o corpo da parceira em contato com o seu.

Tentou concentrar sua atenção em outro ponto.

Percebeu que os demais já haviam voltado e bebiam animadamente batendo as canecas no ritmo da música e cantando, à exceção do Anão que carrancudo sacudia as pernas sentado no banquinho do bar.

Zet, para espantar o tédio por ser o único a não beber, decidiu implicar um pouco com o taberneiro.

- Estive aqui pensando, o nome dessa pocilga que vocês chamam de cidade está errado.

- É mesmo? - O taverneiro replicou desconfiado.

- A tartaruga apesar de colocar ovos na terra não vive realmente fora do mar. Uma cidade como essa, entre altas montanhas e árvores devia ter o nome de algum animal que vivesse tanto no ar, quanto na terra e no mar.

- É verdade! - Nunca havíamos pensado nisso! Apesar da sua aparência até que você é bem instruído. - Disse de forma orgulhosa e com os dentes amarelados à mostra.

- Sim, sim. O nome poderia ser Vila Pato.

- Por quê?

- Porque essa cidade tem litoral mas nenhum barco com mais de 2 braças consegue navegar, tem terra mas plantando-se nada cresce e essas montanhas terríveis não permitem contato com a civilização de verdade. Assim como o pato, que nada, anda e voa, mas não faz nenhuma dessas coisas bem. - Terminou com uma enorme gargalhada, deixando o taberneiro a parecer que quebraria os dentes, tanto que os apertava.

- Cale a boca e tome um trago. É o melhor que você faz. - Disse o taberneiro empurrando uma caneca para o anão, que parou de rir imediatamente e ficou olhando sem piscar para a bebida balbuciando:

- Mil e oitenta e dois dias limpo, mil e oitenta e dois.... - E recusou com expressão fúnebre.

Mácula escutou o final da conversa dos dois quando passou por perto girando vagarosamente com seu par e ficou pensando que criatura terrível deveria ser esse monstro chamado pato.

- Vamos Bumbum, não perca o passo. Estava indo tão bem. - Disse a arqueira pressionando-o ainda mais contra os seios.

Mácula tentou respirar fundo, com um calor inexplicável tomando-lhe de assalto. Sentia parte de seu corpo se retesando, não sabia bem o que, ainda não estava acostumado à anatomia humana.

- Eu sabia que os quietinhos são os piores. - Tamyla sussurrou em seu ouvido e completou quase ronronando, com o bafo a atingir-lhe a nuca. - Safadinho.

- Com licença. Será que posso roubar rapidamente seu par? - Disse polidamente Kant.

- Por que você precisa ser tão estraga prazeres? Não podia deixar essa conversa para amanhã? - A elfa saiu batendo forte o pé e empurrando o lenhador que ia tentar pedir para dançar com ela a três metros de distância.

- Muito bem. Siga-me. Vamos nos sentar naquela mesa aos fundos. - Disse de forma autoritária o guerreiro.

Mácula não chegou a perceber o tom de voz, inebriado que ainda estava pela dança.

- Muito bem. Amanhã começaremos nossa viagem para a capital e você virá conosco.

Dessa vez Mácula notou o tom de voz e não gostou.

- Não pretendo ir a lugar algum com vocês. Tenho meus próprios planos. - Que até o momento se resumiam a recuperar sua forma, mesmo sem saber como nem por onde começar.

- Acho que minha frase foi clara. Não se tratava de uma pergunta.

- Já me misturei o suficiente com vocês humanos, daqui em diante seguirei sozinho.

- Humanos? - Franziu o cenho. - Você é engraçado, mas não é muito esperto, Bumbum. - Disse com um sorriso medonho de canto de boca.

- Você imaginou que por termos o salvado seríamos heróis não é? - Dessa vez quem falou foi Auriel que surgiu sorrateiramente por suas costas, abraçando-o com o braço esquerdo e com o direito encostando um punhal em suas costas.

Mácula se manteve em silêncio analisando suas opções e tentando entender o que ocorria.

- Nós não perdemos tempo nos enfiando, em grutas e cavernas sujas procurando por tesouros corroídos, ou salvando princesas mimadas. - Prosseguiu Kant - Nós somos mercenários.

- Você percebeu que nunca perguntamos seu nome? - Ouviu novamente a voz da assassina em suas costas. - Sabe o porquê disso? Por que nunca questionamos diretamente suas esquisitices?

- Porque não precisávamos saber disso. - Respondeu o guerreiro. - Nós já sabemos o que você é.

Os olhos dos dois se confrontaram. A fúria brotava dos azuis, a empáfia dos verdes.

- Vocês realmente acham que sabem quem eu sou?

- Sim. Você é dinheiro fácil.


Mácula - Dragão AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora