Capítulo 5

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O som ligado no último volume toca um rap de rua. 50 cent estronda as caixas acústicas enquanto eu preparo uma gororoba para comer. Nada tão apetitoso, é somente para forrar o meu estômago. Uma dose de vinho apenas para esquentar o sangue e continuar estourando os tímpanos com 50 cent e o seu Many Men.

O soar da campainha é quase inaudível, fazendo-me correr para atender com receio da pessoa estar esperando por muito tempo. Diminui o volume com o controle remoto e abro a porta. A imagem de Ella com um olhar perdido e assustado fez-me paralisar. Nunca que Ella Robson estaria no meu apartamento por livre e espontânea vontade. Ou estaria?

— Oi. — O som da sua voz foi arrastado, quase sem vontade de ser proferida. Um tanto fraca, eu diria.

Pensei na bagunça que o apartamento está. Um homem que vive sozinho nem sempre se preocupa com organização, porém a convido para entrar. Não quero ser mal educado.

—Ora, a que devo a visita?

Não posso mentir que ainda estou chateado com sua postura, e o modo em que vem tratando o seu pai.

Ella retira algo da sua bolsa que tem uma alça envesada por seu corpo. Entrega a mim e percebo que se trata da grana que eu havia pago o seu "bagulho".

— Ella não precisa. Sério. O que está fazendo?

—É seu, Miguel. Eu sei que não tinha essa grana, sabia que fez isso só para não me ver se ferrando. —Me encara com admiração e ao mesmo tempo envergonhada. —Não tinha obrigação nenhuma, mas mesmo assim...

Abaixo a cabeça, me sentindo incomodado com esta observação. Não sou nenhum santo, muito menos um cara que quer concertar o mundo. Tampouco alguém cuja vocação é de um herói salvador. Não deixaria de forma alguma uma mulher como ela em apuros só porque fazia algo de errado. Não é como a maioria das pessoas deveriam agir? Penso sobre isso, e não me sinto convencido.

—Não foi nada, Ella. De verdade. Mas por outro lado fico pensando... —Estreito os olhos a encarando, um tanto pasmo falando a verdade. —Como uma moça tão bonita e de uma família maravilhosa, pode entrar nessa? —Ela bufa, depois desvia o olhar de mim.

—Você não entende, Miguel. Não conhece o lado sombrio da minha vida. Tudo que tive de passar para tentar sobreviver. Não faz parte da sua realidade, e muito menos quero apresentá-la a você. Mas posso dizer que não foi nada boa. —Sinto que Ella sofre, seu olhar me diz, mas não tenho como ajudar alguém que se fecha tanto. —Aquele lugar... Você não faz ideia como era.

Estreito os olhos. Ella deve ter sofrido um bocado e até entendo, mas...

—Não justifica. —Sussurro determinado. Dentro de mim sei que é errado. —Amenizar uma dor estragando a sua vida é coisa mais patética que existe! —Arregala os olhos, provavelmente nunca havia escutado palavras tão sinceras na vida.

—Sei que para você parece bobagem, mas pra mim é bem compreensivo, levando em conta tudo que eu passei. —Respira fundo. Eu a encaro tentando encontrar algo compreensivo, não encontro nada. —Em fim, eu vou indo. Não há mais nada a se fazer por aqui. —Me estende o dinheiro, mas recuso a pegá-lo. Ella larga em cima do braço do sofá e se retira por onde entrou.

A porta se fecha fazendo um estrondo alto. Me permito fechar os olhos por conta do barulho. Talvez encabulado pelo que vi. Talvez chateado também. Queria saber quando é que eu pararia de me compadecer da dor dos outros e deixá-los com os seus próprios problemas, acho que nunca.

Ella sofreu demais naquele internato, sofreu de uma forma que ficou marcado pelo resto da vida. Se eu entendesse o que houve, talvez eu compreendesse melhor ao invés de julgá-la. Hunf! É tanta coisa que preciso pensar, resolver, ao invés de me meter nesse assunto que fico até cansado.

Aprendendo a Viver (Sem revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora