Capítulo 19

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—Com licença!

Chamo atenção de uma senhora logo na frente das grades enferrujadas, que eu podia jurar que se a movesse, faria um barulho medonho. Conversa com um moço de uniforme que julguei ser o jardineiro, apesar de não avistar jardins por ali. Não me acanhei em pronunciar a minha língua mãe, pois sei o quanto aquele colégio é mundialmente conhecido e que provavelmente falavam inglês, devido aos contratos de pais americanos ocorridos por vários anos.

Ela me encara com desconfiança, mas minha cabeça continua erguida sem qualquer tipo de vacilo.

—Gostaria de falar com a Madre Superiora. —A senhora perscruta seus olhos por todo o meu corpo analisando a minha aparência, sei que não estou devidamente vestido como gostariam; Terno, gravata, uma limusine à espera. Estou de calça jeans e uma camiseta.

—Não recebemos nenhum visitante. —Ela faz menção de sair, mas eu a impeço.

—Não gostaria de dispensar um futuro acordo, certo? —Ela para de caminhar e volta-se a mim novamente. —Quero fazer a matrícula da minha filha. Tenho boas recomendações deste colégio. Coisas incríveis. —Rosno a última frase, Deus sabe o quanto aquela mentira doía na alma.

Nunca que cometeria o pecado em colocar uma filha minha naquele abatedouro. Jamais feriria uma parte de mim, eu seria um monstro se fizesse. É assim que considero Robson, apesar de saber que não sabia de nada. Porém não o livra da culpa, há outros quesitos que lhe aponta, que não é tão inocente assim.

Seu rosto retorce em uma simpatia que antes não encontrei, e seu sorriso amplo se abre em animação.

—Por aqui, por favor. —Indica o caminho e eu agradeço com um maneio de cabeça. Minha entrada é mais fácil do que imaginei.

O caminho a partir dos portões até o vasto quintal de flores secas, e árvores mal podadas, é tranquilo. Mas assim que entramos ao castelo a coisa muda de figura. Um arrepio incomum me invade novamente, aquele lugar é sombrio até demais. Sinto uma angustia, como se estivesse enclausurado. Era escuro, somente velas e castiçais para iluminá-lo. Parece um tanto assombroso, como aquelas histórias macabras sobre espíritos perambulando em castelos antigos ou casas abandonadas.

À minha esquerda uma menininha corre pelo corredor segurando uma boneca nas mãos. Consigo imaginar o que deva ocorrer a ela à exatas 22:00hrs da noite. Ela está sorrindo apesar de tudo, seus cabelos loiros esvoaçam enquanto corre. É apenas uma menina nos seus dez anos que só se preocupa em brincar e correr. Lembro-me das meninas na minha época, brincavam de corda, adoleta, esconde-esconde. Elas adoravam me encontrar embrenhado pelos arbustos, sabiam exatamente o meu lugar favorito. Penso que as mulheres são muito observadoras. Penteavam os cabelos uma das outras nas calçadas. Choravam quando se machucavam ao cair, e eram apenas cortes bobos que em dois tempos melhoravam, a não ser na hora de ir tomar banho que ardiam a beça.

Uma vez sequei as lágrimas de uma coleguinha minha que se machucou, eu tinha uns seis anos. Vi em seus olhos o quanto estava doendo, aparentava doloroso. Sentei-me ao seu lado, sequei suas lágrimas e disse que tudo ficaria bem. Não medi esforço para ir até em casa e pedir para que minha mãe fizesse um dos seus remédios curandeiros, que usava em mim quando me machucava, para usar nela também. Queria que parasse de chorar, de sentir dor. Quando o sorriso voltou aos seus lábios, vi que fiz algo de bom a alguém. Mas o melhor foi ouvir de seus lábios que eu tinha razão e que o machucado parou mesmo de doer.

Naquele momento sei o quanto a dor daquelas meninas não eram por uma queda boba, a dor era na alma, algo muito mais profundo e difícil de curar. Algumas carregariam para sempre as marcas em sua vida, assim como Ella. Outras superariam com muita terapia, mas em todos os traumas psicológicos perduraria por longos anos. Me sinto tonto, garganta seca, não há nada que pudesse fazer com que aquele nó descesse. Me sinto preso assim como sei que Ella se sentiu, ou aquela menina que corria a pouco pelo corredor. Minha vontade de desarticular toda essa trama, revive com força.

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