Capítulo 8

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Carrego-a para dentro de casa, no meu colo e fecho a porta. Me pergunto se essa cena seria corriqueira de agora em diante. Ella acorda assim que eu a deito na cama. Seus olhos estão bastante vermelhos, encarando um ponto fixo sem piscar. Parece atônita, fora de si, completamente catatônica.

—Ella? —Chamo, sentindo um medo tão grande, que por um instante, fico sem reação.

Seguro seu ombro e balanço com cuidado, uma forma de fazê-la voltar a si. Ella desvia seus olhos para mim, fitando diretamente os meus olhos. Parece possuída.

Fico imaginando sobre o que deva estar passando por sua cabeça. Com certeza fora um momento traumatizante. Se eu não tivesse chegado, sem nenhuma dúvida aquele canalha abusaria dela. Só de imaginar, minha raiva volta de novo, junto com o arrependimento de não ter acabado com ele de vez.

—Está tudo bem? —Ela assente, mas volta a chorar de novo.

Odeio vê-la chorar! Odeio ser inútil ao ponto de não conseguir fazer nada que impeça seu sofrimento. Até tento não me importar, colocar na cabeça que se estar passando por tudo isso, é tudo culpa dela. Mas quando olho em seus olhos, e pela forma que chora, sei que é bem mais complicado.

Um colega que tive na adolescência era um usuário de drogas também. Bebia e cheirava ao mesmo tempo, sempre dizia que os vícios o fazia esquecer dos problemas. Ele era um artista muito bom, tocava bateria em banda de garagem. Tinha uma expectativa muito grande em se tornar um dos melhores e fazer com que sua banda fizesse sucesso. Várias oportunidades que se abriu, porém nunca conseguiu realizar seu sonho. Uns diziam que ele precisava ter algo a mais, outros disseram, que não era bom o suficiente, acabou afetando sua autoestima. Daniel nunca superou os "nãos" ao longo do caminho e se afundou nos vícios. Nunca mais tive contato com ele, mas não precisa ser expert para saber que sua vida piorou ainda mais.

Olho para Ella e sei que seu caso não seria uma frustração, ou até poderia ser, já que nunca teve o amor do pai. Mas seus olhos me dizem que é bem além disto.

Ofereço água, comida e ela rejeita. Só quer ficar deitada e dormir. Penso que está confortável em minha cama, ir para casa neste estado não seria uma boa ideia. Já penso no amontoado de cobertores que eu faria no chão para que ela pudesse tomar todo o espaço da cama, mas assim que faço menção de me retirar, meu braço é capturado.

—Fique comigo, Miguel, por favor? Eu não quero ficar sozinha. Não esta noite. —Fico sem graça, mas prefiro atender o seu pedido.

Ella vira-se para o lado da janela e eu deito olhando para o teto, pareço uma estátua sem movimento algum, ansioso para o que o dia nascesse novamente.

Rapidamente pego no sono.

Um gemido ao meu lado me desperta, tento me situar, e vejo que estou na minha cama, que peguei no sono e Ella está ao meu lado. Viro para o lado que se encontra. Ainda está escuro, mas ela se debate inteira. Geme de agonia, sua cabeça balança no travesseiro. É como se estivesse sentindo dor, como uma tortura.

Penso que possa ser o efeito da droga, mas ao prestar bastante atenção , ela ainda está dormindo. Se trata de um pesadelo? Confirmo minha suspeita quando ela começa a chamar o nome de alguém que tenho a impressão que já ouvi alguma vez, quando estávamos na praia.

—Por favor, Madre Bianca, já chega! Eu não quero mais, me perdoa! —O corpo de Ella chacoalha, tem lágrimas rolando de seus olhos. —Não toque em mim assim, eu lhe peço. Isso dói!

Me desespero. Ella está sofrendo naquele pesadelo e eu preciso tirá-la dessa situação. Acendo o abajur ao meu lado, seus dedos estão retorcidos, como se levasse um choque, suas pernas imóveis como se estivesse amarradas. Me impressiono com a cena, era como se fosse um gostinho de tudo que ela sofreu naquele maldito internato.

Aprendendo a Viver (Sem revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora