Tudo que eu não disse

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- Eu devia ter apostado com você Mike. Agora pelo menos teria algum dinheiro. – Calum riu. – Eu sabia que uma hora ou outra vocês seriam amigos.

- Eu não te pagaria, e não somos amigos. – falei brincando e Calum se despediu.

Desde que Luke me ajudou, ficamos mais próximos. Passei a frequentar sua casa nas quintas para ajudá-lo com a guitarra. Claro que um mês e meio depois ele já está bem melhor.

Nossa aproximação gerou sim uma amizade, devo admitir. Segui com Luke até sua casa, e depois de almoçarmos, começamos a ''aula''. O filho da mãe estava muito bom, já tinha bastante habilidade e eu ficava feliz com aquilo, afinal, eu era o professor.

Depois de algumas músicas paramos para descansar um pouco. Tínhamos um trabalho para entregar no dia seguinte, e então Luke decidiu que o faríamos naquela hora.

- Cara, deixa pra fazer a noite. Não to afim de fazer nada agora.

- Mike, faremos agora e eu te ajudo. Você está com notas vermelhas em quase tudo. Vai acabar repetindo e nunca sairá da escola.

- Você parece minha mãe. –revirei os olhos. – Na verdade acho que você se importa mais que ela. – bufei.

- Porque você não me conta como é sua relação com ela ?

- Luke, você está parecendo um psicólogo.

- Então serei seu psicólogo Mike. Conte-me. – ele entrelaçou os dedos e fez uma postura séria.

- Eu prefiro fazer o trabalho.

- Você me convenceu a fazer depois. – ele deu de ombros.

- Está certo Dr. O que quer saber ? – odiava a forma como ele sempre conseguia o que queria.

- Sua relação com ela.

- Bom, eu e ela, na verdade... o problema é ela. É isso. Sempre foi culpa dela. Sempre... – percebi meus olhos umedecerem, e eu realmente não queria mais falar.

- Está tudo bem Mike.

- Não. Não está. Nunca esteve. Eu nunca dei orgulho a eles, eu sempre fui o culpado. Meu pai quase nunca estava em casa e de uma hora pra outra parou de frequenta-la. A escola sempre a chamava para reuniões, eu era o problema da sala. Eu que nunca aprendi nada, eu que nunca dei orgulho pra ela. '' Seja bom pra sua mãe Mike'' é o que todos diziam, mas eu estava me esforçando para ser. Eu só não podia ser o que eles queriam. Ela só está cuidando de mim por obrigação.Eles não me amam Luke.- me atirei em seus braços e ele demorou alguns segundos para me envolver, enquanto eu soluçava.

Hemmings afagou meu cabelo, sussurrando que tudo estava bem. Naquele momento entendi o que significava o tal refúgio que ele dizia. Naquele momento realmente estava tudo bem.

- Eu nem a conheço, mas tenho certeza que ela gosta de você. Ela tem obrigação sim de colocar você em uma escola, mas ela o colocou em uma das melhores do país. Dá celular, guitarra, roupas, ela se preocupa Mike. Você precisa dar a ela uma chance, como eu e você, agora somos amigos e no começo você me odiava.

- Ainda odeio. – sequei as lágrimas, rindo para quebrar o clima tenso.

- Não odeia. Eu sei que não. Você precisa dar essa chance á vocês.

- Não é fácil Luke...

- Eu sei que não é. Mas é necessário.

- Vou tentar. – eu continuava fitando o colchão. Estava envergonhado pela minha atitude, pelo meu desabafo, e pelo choro. Mas ao mesmo tempo havia parecido tão natural. E havia me feito muito bem.

Começamos então com o trabalho e quando ficou pronto fui para casa. Ao menos uma tarefa já estava cumprida.Quando cheguei, segui para meu quarto e deixei as mochila em cima da cama. Fui para cozinha onde jantei e subi para dormir. Antes de entrar no meu quarto, olhei a porta ao fim do corredor, onde minha mãe provavelmente já estava deitada. Eu relutei em ir até lá, dar-lhe boa noite mas alguma coisa me bloqueava.

Fechei a porta e me deitei. Não demorou para que as lembranças invadissem minha cabeça. Puxei debaixo da cama minha caixa pessoal. Peguei de lá a fotografia antiga que eu guardava, onde aparecia eu com meus 2 anos de idade, no colo de meu pai e minha mãe ao nosso lado.

Eu o odiava por tudo que nos fez.Odiava por nos abandonar, e odiava por ter feito minha mãe ficar do jeito que está, sem muito interesse pela vida. Odiava por ter me transformado no que sou hoje. Mas ainda assim, sinto falta de ter uma família normal.

Uma mensagem chega em meu celular.

[LUKE]

Lembre-se de que não está sozinho Mike. Boa noite

Guardei a fotografia e evitei de pensar naquele tipo de coisa. Eu tinha que dormir para acordar cedo no dia seguinte. Eu tinha uma vida para viver.

Boa noite Luke.

A mensagem foi enviada e eu adormeci. Naquela madrugada eu gritei novamente. Desesperado. Ouvi minha mãe me chamar do outro lado da porta, pensei em abrir mas não o fiz. Deitei-me novamente. Eu tinha raiva de fazer aquilo.

Gritei contra o travesseiro, a fim de que dessa vez não fosse ouvido por ninguém. Eu estava angustiado. Estava nervoso e só queria uma droga de uma vida no mínimo decente. Eu queria o abraço de Luke novamente, havia me feito tão bem. Eu queria estar com ele agora, eu preciso dele agora, eu quero o Luke agora. Eu quero o Luke ? Sim, definitivamente, e de alguma forma, ele me faz bem. Eu gosto dele. Gosto do Luke...

Oh céus ! Que diabos está acontecendo comigo ?


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