A Segunda Vez

12. Lívia

Quatro dias se passaram e Gabriel ainda não havia voltado. Conforme o tempo ia correndo minha determinação diminuía na mesma proporção em que minhas dúvidas aumentavam. Nat, que vinha falando com Tiago com bastante frequência, me disse que as coisas em Porto Alegre haviam se complicado e Gabriel não tinha previsão de volta, porém eu esperava que ele ao menos desse algum sinal de vida principalmente depois daquele bilhete. No primeiro dia achei que ele estava fazendo charme, no segundo eu já estava um pouco irritada com a indiferença, no terceiro fiquei com raiva dele por me deixar com raiva dele, hoje eu sentia raiva de mim por passar três dias pensando nele. O fato de saber que a Mirela estava em Porto Alegre também fazia meu sangue ferver e eu tentava me convencer de que esse sentimento era por pura competitividade e nada mais.

Pelo menos eu estaria mais ocupada hoje do que nos outros dias, já estávamos na segunda quinzena de novembro e tanto Nat quanto eu ficaríamos até mais tarde para decorar as salas de aula. A mente ocupada com as festas de final de ano, espero, me impediria de ficar pensando no Caipira. Porém além dele havia um outro Dávila que ocupava meus pensamentos de vez em quando, sorri com carinho.

Ao contrário de Gabriel, Diego havia conseguido meu telefone _ com uma ajudinha da Natália, é claro_ trocávamos mensagens sempre na hora do meu almoço e a noite antes de dormir e descobrimos que tínhamos gostos muito parecidos, falávamos sobre livros, músicas, filmes e principalmente das séries de TV que éramos viciados. Mesmo por mensagem era muito fácil falar com ele, Diego era divertido, despretensioso e depois daquele dia em que me deu carona ele nunca mais flertou comigo e isso era o que mais me agradava.

Em uma de nossas conversas Diego me contou que tanto ele quanto Tiago eram ovelhas desgarradas dos Dávila e resolveram colocar em prática uma paixão que compartilhavam desde crianças: Cavalos. Ambos eram sócios em um haras. Ele era médico veterinário especializado na reprodução e Tiago era, segundo Diego, um dos melhores adestradores do país. Porém enquanto a família de Tico, como ele se referia a Tiago, sempre o apoiou, a sua não se conformava dele ter abandonado a filial internacional da transportadora no Texas para se dedicar ao que julgavam não passar de um passatempo sem importância.

Diego falava do haras com um orgulho contagiante e me fez prometer que um dia eu iria visitar o lugar, convite que aceitei prontamente, eu adoraria conhecer o local do qual ele falava com tanto entusiasmo e paixão. Segundo ele, o haras ficava em uma cidade a aproximadamente uma hora e meia de Santa Clarisse o que era ótimo já que podia visitar a avó sempre que quisesse.

Enquanto tentava pendurar, sem escada e sem sucesso, uma guirlanda acima da lousa pensei em Dona Cecília e no quanto admirava Diego pela determinação, eu não os conhecia a muito tempo mas poderia apostar que não era fácil e nem mesmo muito inteligente contrariar um Dávila.

Desviei um minuto meus pensamentos para xingar o prego acima da lousa que estava muito alto, abaixei os braços falando um bom repertório de palavras feias enquanto olhava zangada para o prego e dei um sobressalto quando ouvi alguém falar atrás de mim:

_Depois deste olhar, se eu fosse o prego desceria dali rapidinho.

Diego estava de braços cruzados encostado no batente da porta me olhando divertido, usava uma camiseta branca e uma calça jeans clara, nos pés uma sandália de couro, seus olhos estavam ainda mais verdes do que eu me lembrava. Um anjo pensei, ele parecia um anjo.

_Infelizmente ele é muito cabeça dura e não se deixa intimidar com facilidade_ respondi tentando falar com seriedade.

_Então talvez eu é que seja muito mole, estou aqui pensando se penduro esse treco em sua mão ou se protejo o prego. Embora te deixar fazer algumas tentativas talvez enriqueça consideravelmente o meu vocabulário, como é mesmo aquela palavra com b que você disse antes de "merda" e "porra de prego"?