Picotadora

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Sério! Quem gosta dessas máquinas de picotar papéis?

Eu pelo menos não simpatizo nada por elas.

Desde o dia em que, Bryan me pediu para ir triturar alguns documentos nessa maldita coisa, eu venho tendo uma inimizade grande com o equipamento.

Simplesmente ele foi feito para te deixar louco e fazer você passar vergonha, porque não tem outra justificativa para esse negócio existir.

Basicamente a hora que você coloca o papel no devido lugar para ser triturado, seu dedo parece que vai ser engolido junto. Depois quando acaba colocando uma boa quantidade de papel, o negócio parece que vai explodir!

Não estou inventando, juro! Isso é mesmo sério, o treco começa a fazer um barulho ensurdecedor e não tem outra alternativa, senão abrir a tampa e retirar todo o papel já triturado e joga-lo em algum lixo, só assim para fazer sessar o barulho.
Mas o pior nem é isso. Como eu disse, esse negócio também serve para te fazer passar vergonha, pois para a minha infelicidade ele se encontra justamente em uma sala que fica lotada de funcionários a maior parte do dia.

Então sempre que isso acontece eu fico morrendo de vergonha, ainda mais quando percebo vários pares de olhos me observando atentamente como se eu fosse um animal de circo. Poderia até ser um situação comum, se eu não tivesse completo pavor de ser o centro das atenções

Por essa razão, sempre fico muito irritada quando Bryan me entrega uma pilha de papéis para picotar naquela geringonça.

Como hoje por exemplo, mal cheguei à minha sala e já avistei aquele monte de folhas esperando para serem levadas ao triturador.

Dou um longo suspiro desanimada.

Hoje ainda é segunda e vou ter vários dias pela frente para fazer esse mesmo serviço. Já faz duas semanas que comecei o estágio e só o que faço é tirar cópias, triturar papéis e arquivar documentos. Não que eu esteja reclamando, só gostaria de ser mais eficiente, fazer coisas importantes pelas quais alguém pudesse notar minha capacidade.

Só que não tenho coragem de pedir para o Bryan me dar outros tipos de tarefas. E também não tenho tanta intimidade com ele para fazer exigências, apesar de já termos toda uma história juntos, o abismo que existe entre nós é enorme.
Não conseguimos sequer conversar por míseros quinze minutos que já estamos discutindo e brigando por coisas do passado que não tem jeito de serem mudadas. Mesmo que eu queira, não dá para mudar tudo que já foi feito e dito.

Então em completo desânimo pego o bolo de papel e vou em direção a sala que fica o picotador, no caminho evito encarar qualquer funcionário, já fazem semanas que estou trabalhando aqui e a única pessoa que consegui fazer alguma amizade foi com o Christian, se é que posso chamar aquilo de amizade, pra mim tudo o que ele quer é ficar comigo só para irritar seu irmão.

Sinceramente eu não vejo a hora de acabar esse estágio, nunca quis tanto uma coisa quanto isso. Sinto como se não fosse bem vinda aqui e por mais que eu tenha esse jeito fechado, que não goste muito de socializar, mas eu também não gosto de ser indesejada.

Ando rapidamente para a pequena sala que fica no andar debaixo, entro timidamente nela e como todas as vezes, evito o contato com qualquer um que trabalha ali. Sigo em direção ao triturador, que fica em um canto próximo a uma das enormes janelas da sala.
Então sem mais delongas começo o massacre da papelada, cuidadosamente coloco uma quantidade bem razoável, para não começar a fazer aquele barulho. Lá fora o céu está um lindo azul claro, porém o sol se esconde atrás de algumas nuvens e faz um pouco de frio. Estamos nos aproximando do inverno, o que me faz lembrar que tenho que comprar alguns agassalhos novos, os meus estão ficando velhinhos e já nem esquentam tanto quanto antes.
Meu Deus! Só eu mesma, com tanta coisa pra fazer fico aqui pensando em roupas, as vezes esqueço o chefe que tenho.

Volto a colocar os papéis cuidadosamente como antes, dessa vez não olho para a janela, fico observando as folhas na máquina que somem perfeitamente dentro do picotador. Então coloco a última parcela de papéis e espero para ver se tudo correrá bem como antes.

Feliz da vida por dessa vez não ter acontecido nada de errado, viro-me para ir embora e para meu sofrimento aquele troço começa a fazer o barulho maldito das outras vezes, arregalho os olhos de raiva e tenho certeza que nesse momento sou chamo atenção de todos na sala.

Perfeito!

Não sei exatamente o porquê, mas o nervosismo juntamento com a vergonha me fazem ter uma atitude que nem em sonhos eu teria.

Eu grito com o triturador. Sim, isso mesmo, eu grito com ele...

- Mas que inferno, máquina idiota, eu te odeio! - Não aguento e tenho um ataque de raiva.

Essa coisa não pode colaborar ao menos uma vez? Acho que estou quase rosnando para a máquina.

Pacientemente ou pelo menos tentando transparecer uma calmaria que não existe, agacho para retirar a tampa e pegar as folhas picotadas de dentro, puxo para cima só que ela não levanta, tento novamente com um pouco mais de força e nada, insisto mais uma vez e obtenho o mesmo resultado.

Ah não! Só pode ser pegadinha isso e o barulho não sessa, tento mais uma porção de vezes e nada ... Já consigo até ouvir as risadinhas dentro da sala, me recuso a olhar para trás e ter a certeza de que estão mesmo rindo de mim.

Tento vários botões, na tentativa de um deles fazer aquele barulho parar e por fim contínuo na mesma.
Que vida desgraçada que eu tenho, não consigo ao menos fazer um simples serviço que me foi dado. Minha raiva só aumenta e sem pensar duas vezes me levanto e começo a chutar o equipamento e mesmo assim nada, dou um chute tão forte que até meu pé dói com a pancada. Inferno!


- Porra!

- Srta Garcia!

Ignoro o fato de que Bryan está bem atrás de mim, porque à essas alturas minha raiva é tanta que não ligo mais pra nada.

Estou com raiva porque não consigo fazer nem a tarefa mais simples, que é triturar a porcaria de uns papéis. Raiva porque tudo que eu faço dá errado. Raiva por tudo que já passei na vida e por fim, raiva por estar trabalhando nessa maldita empresa e ter que aguentar o mal humor do meu chefe todos os dias.
E é por isso que eu ignoro totalmente sua presença nesta sala, e continuo a chutar com mais força.

- Porra, Porra! Que droga de vida!


- Srta Garcia! Ou você se acalma, ou então eu vou ser obrigado a retirá-la da sala, nenhum dos funcionários tem culpa de sua incompetência.

E com essas palavras dele, acaba o último fio de lucidez que me restava, o único fio que estava me segurando para não mandar tudo pros ares de vez.

- Quer saber de uma coisa? Eu quero que vá pro inferno você e essa sua empresa medíocre, vá engrandecer esse seu ego atormentando a vida de outra estagiária. Se me der licença eu já terminei por aqui.

Sem me importar com o olhar de Bryan me fuzilando, dou um último chute naquela porcaria de picotador e saio sem nem olhar pra trás.


Atualizado 15/11/21

Apaixonada por um CEOOnde histórias criam vida. Descubra agora