Capitulo 17

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Eu lembrava da primeira vez que vi o Daniel.

Garotinho pequeno e delicado, usando aquelas roupas enormes.

Eu estava indo pro trabalho de manhã e o Daniel estava indo ao mercado. Chovia um pouco e um garoto de guarda-chuva o empurrou em uma poça d'água e o chamou de "Puto!"

Fiquei no carro olhando-o se levantar e continuar a caminhar como se nada tivesse acontecido. A água agora corria por suas roupas, mas ele não deu importância. Tinha um sorriso discreto no rosto de "Não foi nada demais!", mas notei o olhar magoado dele e a sua vontade de chorar por aquela humilhação.

"Guri estranho!", pensei comigo mesmo e parti para o trabalho.

Não dei mais importância àquilo e isso não me incomodou mais. Eu era um idiota egoísta do caralho! Assim como todos que sabiam daquilo e não faziam nada pra ajudar.

Sempre via o Daniel na rua e, um dia quando fui ao mercado, tropecei nele sem querer.

Ele derrubou as latas de cerveja que carregava, pro seu pai, e as juntou rapidamente pedindo desculpas a mim. Fiquei olhando-o de cima, reparando no cabelo bonito que ele tinha.

Murmurou um "Boa tarde, senhor!" e sumiu da minha vista.

Depois daquele dia ele começou a me cumprimentar sempre com Bons dias, tardes e noites, me chamando sempre de "Senhor Lopes!" Não era raridade as pessoas saberem quem eu era, mas aquele guri me intrigou demais!

Quis saber quem ele era, inconscientemente reparando nele mas não notando a sua real existência. Ele, pra mim, me despertava uma leve curiosidade... nada demais.

Um dia eu estava buscando o jornal e o Daniel estava passando na rua. Perguntei discretamente ao vizinho quem aquele garoto era e ele me contou tudo sobre ele, inclusive seu nome que eu ainda não sabia.

A história triste dele me comoveu, mas me perguntei "O que eu poderia fazer?" Não fiz nada, porque pais deveriam proteger suas crias. O vizinho, que já havia pagado pra foder com o Dani, não se incomodava com o fato, porque, de acordo com ele, "O guri é muito gostoso e fode gostoso!"

Fui egoísta e pensando nisso enquanto via o Daniel desmaiado na minha frente me encheu de remorso. Se eu tivesse intervido mais cedo, será que eu evitaria aquela crise destruidora dele?

Eu jamais saberia.

Jamais!

O quarto estava destruído, com pedaços de quadros por todo lado. O corpo do Dani desmaiado no meio daquela bagunça.

Meu coração chorava e meus olhos ardiam com as lágrimas.

Eu não sabia o que era pior naquela situação toda. Se era o Daniel desmaiado no chão ou se era eu, tão horrorizado, que fiquei alguns intantes petrificado no mesmo lugar antes de me mover novamente.

Caminhei devagar na direção dele e meu coração pareceu rachar quando vi aquela expressão no rosto dele. Olheiras enormes, face contorcida em dor. Inconsciente. Perdido no próprio tormento.

Soltei um gemido de alívio quando o peguei no colo e o aninhei em meu peito. Sua respiração estava lenta e pesada. Ele não dormia fazia três dias e duvidava que acordasse em menos de vinte horas.

Seu cheiro era o mais natural possível e era um aroma tão agradável que me permeti abraçá-lo e chorar no seu ombro.

-Me perdoe. -choraminguei baixinho, nos balançando devagar.

Segurei um soluço na garganta e o tirei daquele quarto. Eu mesmo não aguentava ficar ali vendo partes daquelas pinturas macabras me encarando.

O pai do Dani era um monstro! O pior monstro que existe! Abusou tanto do pobre e indefeso filho que o machucou de uma forma incurável!

CORAÇÃO DE VIDROOnde histórias criam vida. Descubra agora