"Tic toc"
Ruídos e passos. Mesmo de olhos fechados eu via... tudo que eu mais amava escapando entre minhas mãos. Era engraçado eu parar pra pensar nisso.
Eu via, em minha cabeça, uma enorme ampulheta projetada sobre um deserto e grandes grãos de areia escorrendo de um lado ao outro.
"Tic toc"
Uma hora passada. Fernando saiu pra comprar comida, me deixando ali na sala de espera. Não estava sozinho, mas já me sentia sozinho. Me sentia vazio de tudo.
Um grande oco que se expandia aos poucos arrancando a pouca luz de mim. Eu sentia como se eu fosse uma vítima... sendo assassinado por mim mesmo, em meu próprio tormento.
"Tic toc"
Duas horas e mais barulhos. Pessoas entravam na sala de cirurgia. Médicos, cirurgiões, enfermeiras. Todos os que entravam, não saíam.
Não me mexi um segundo, nem mesmo pra comer. Não esbocei nem uma feição, não chorei mais, não gritei, não vomitei.
Fiquei ali, parado, deixando tudo que eu mais amava ser tirado de mim. A enorme ampulheta me fazia lembrar disso.
Deus era justo? Eu não achava aquilo justo.
Daniel via Deus na forma como agíamos... eu via Deus nas consequência de tudo. Isso me fazia ter raiva. Deus era só mais um cientista frustado vendo seus amados experiementos, nós, destruindo uns aos outros e o suporto mundo que ele criou em sete dias. Tão ilusório que eu tinha quase vontade de rir ao imaginar esse Deus todo poderoso construindo um mundo no qual Ele sabia que seria destruído mais tarde por nós.
Deus era um tolo! Cego de amor por pessoas que o odiavam... como eu fui.
"Tic toc"
Três horas, outro médico entrou na sala de cirurgia. E outro. Finalmente alguém saiu, mas nenhum me informou sobre nada.
"Tic toc"
O relógio acabou comigo. Tudo parecia pesado demais pra mim.
Tudo.
Qualquer respiração me custava uma energia absurda. De repente eu só queria poder morrer com o Dani e viver pra sempre com ele. Não iria perdê-lo... de um jeito ou de outro ele e eu ficaríamos juntos.
Por quê? Por que aquilo estava acontecendo conosco? Era por que nos amávamos? Por que éramos felizes juntos? Admito que éramos um casal incomum e bem inesperado, sendo que semanas antes eu ignorava completamente a existência do Dani, mesmo que inconsciente. Mas eu o amava depois que o conheci. Eu jamais achei que iria me apaixonar por alguém, quem dirá amar. Mas eu o amava. Amava... amava.
Cinco horas mais tarde foi que encerraram as atividades com a cirurgia.
Alguns médicos saiam da sala, com expressões cansadas.
Um médico com uma prancheta veio na minha direção e eu soube, mesmo sem saber, que o Dani já não iria mais acordar. Que eu não o veria novamente.
O médico abriu a boca pra falar e eu já não conseguia segurar o choro.
O meu mundo, já em ruínas, terminou de ruir e desabou sobre mim.
.
(DOIS MESES MAIS TARDE)
Eu fitava o túmulo a minha frente com uma indiferença assustadora.
Eu já não sofria, já não chorava mais. Admito que acordava no meio da noite assustado e suando. Trauma da dor da espera... de esperar, tendo a quase certeza de uma notícia amarga.
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CORAÇÃO DE VIDRO
RomanceEssa história foi postada originalmente na Casa dos Contos pelo perfil: LeonL. E eu decidi postar aqui para facilitar o acesso a essa incrível história. Todos os direitos reservados ao autor citado acima. Link do perfil: http://www.casadoscontos.com...