Meu diagnóstico

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ERAM ESSAS, PORTANTO, as acusações que me faziam. Só fui lê-las 25 anos

depois. Na época, disseram-me que eu tinha "um transtorno de personalidade".

Precisei contratar um advogado para obter minha ficha do hospital; tive de ler

a 32ª linha do formulário A1 do Registro de Caso, o campo G do Relatório de Alta

Ambulatorial e o campo B da Parte IV do Relatório de Caso; depois, tive de

localizar um exemplar do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders e

conferir a personalidade limítrofe, para descobrir o que eles realmente

pensavam de mim.

Trata-se de um retrato bastante fiel de como eu era aos 18 anos, excetuados

uns poucos traços, como a imprudência ao volante e o apetite descontrolado. É

fiel, sim, mas não é profundo. Não pretende ser, é claro. Não é sequer uma

análise de caso. Trata-se de um esboço, de uma generalização.

Fico tentada a refutá-lo, mas isso seria me expor a mais acusações de "atitude

de defesa" e "resistência".

A única coisa que posso fazer é acrescentar detalhes, apresentando um

diagnóstico comentado.

"[I]ncerteza quanto aos diversos aspectos da vida, como a autoimagem, a

orientação sexual, as metas de longo prazo ou a escolha da profissão, o tipo certo

de amizades ou namorados que deve ter... ". Essa última frase é divertidíssima. A

construção canhestra (o "que deve ter" me parece supérfluo) confere-lhe

substância e peso. Ainda me ocorrem incertezas dessa ordem. "Será que é esse o

tipo de amigo ou amante que eu desejo?", pergunto-me, logo que conheço

alguém. "Encantador, mas fútil; bom de coração, mas um tanto convencional;

bonito demais para prestar; fascinante, mas provavelmente pouco confiável", e

assim por diante. Acho que já recebi minha cota de pessoas pouco confiáveis.

Mais do que a minha cota, talvez? E de quanto seria minha cota?

Menor do que a de outra pessoa – uma pessoa que nunca tenha sido chamada

de personalidade limítrofe?

Esse é o "x" do meu problema.

Se meu diagnóstico tivesse sido perturbação bipolar, por exemplo, eu e minha

história provocaríamos uma reação um pouco diferente. Trata-se de um

problema químico, diriam. Mania, depressão, Lithium, essas coisas. Em todo

caso, eu não teria culpa. E se fosse esquizofrenia? Vocês sentiriam um arrepio na

espinha. Afinal de contas, isso, sim, é loucura de verdade. Ninguém se

"recupera" de uma esquizofrenia. Vocês inevitavelmente ficariam na dúvida se

o que eu lhes conto é verdade e se perguntariam até que ponto é apenas

imaginação minha.

Estou simplificando, eu sei. Entretanto, essas palavras contaminam tudo. O fato

Garota, interrompidaOnde histórias criam vida. Descubra agora