Avanços recentes no campo da saúde bucal

113 7 1
                                    


MINHA PENA DE UM ANO E MEIO estava terminando e era hora de planejar

o futuro. Eu estava com quase 20 anos.

Em toda a minha vida, eu havia tido dois empregos: três meses vendendo

utensílios de culinária, que eu volta e meia deixava cair e quebrar; e uma semana

como datilógrafa no departamento de cobranças de Harvard, onde aterrorizava

os estudantes enviando-lhes contas semestrais que totalizavam 10.900 dólares,

quando deviam totalizar 1.900.

Se cometia esses erros, era porque o supervisor me deixava apavorada. O

supervisor era um negro elegante e atraente, que passava o dia inteiro passeando

entre as fileiras de datilógrafas, olhando nosso trabalho. Fazia isso fumando.

Quando eu acendia um cigarro, vinha para cima de mim.

— Não pode fumar – dizia.

— Mas o senhor está fumando.

— As datilógrafas não podem fumar.

Dava uma olhada na sala. Todas as datilógrafas eram mulheres; os

supervisores eram sempre homens. Todos os supervisores estavam fumando;

nenhuma das datilógrafas fumava.

Quando chegou a hora do intervalo, às dez e quinze, o banheiro ficou repleto de

datilógrafas fumantes.

— A gente não pode fumar no corredor? – perguntei. Havia um cinzeiro do

lado de fora do banheiro.

A gente não podia. Tinha de fumar no banheiro.

Outro problema era a roupa.

— Nada de minissaia – disse o supervisor.

Aquilo me deixou em apuros, pois eu só tinha minissaias e ainda não recebera

o contracheque.

— Por quê? – perguntei.

— Nada de minissaia – ele repetiu.

O negócio do cigarro foi na segunda-feira; o da minissaia, na terça. Quartafeira

vesti uma minissaia preta com meias pretas e esperei para ver se tinha

sorte.

— Nada de minissaia – ele disse.

Escapuli para o banheiro para uma pitada rápida.

— Nada de fumar fora do intervalo – ele rosnou ao passar pela minha mesa,

na ronda seguinte.

Foi então que comecei a cometer aqueles erros graves.

Na quinta-feira, ele me chamou até a sua mesa, à qual estava sentado,

fumando.

— Você anda cometendo alguns erros – ele disse. — Assim não pode ser.

— Se eu pudesse fumar, não erraria tanto – respondi.

Ele se limitou a sacudir a cabeça.

Na sexta, não fui trabalhar. Nem telefonei para avisar. Fiquei na cama

fumando e pensando no escritório. Quanto mais pensava, mais absurdo ele se

tornava. Não dava para levar a sério aquele monte de regras. Comecei a rir,

pensando nas datilógrafas enfiando-se no banheiro para fumar.

No entanto, era meu emprego. Além disso, eu era a única que tinha problemas

com o regulamento. Todas as outras o acatavam.

Seria isso um indício da minha loucura?

Passei o fim de semana pensando naquilo. Eu estava ou não louca? Em 1967,

era difícil responder a essa pergunta. Mesmo agora, 25 anos depois, ela ainda é

difícil de responder.

Discriminação sexual! Aquilo era pura discriminação sexual... não era essa a

resposta?

Discriminação sexual, sem dúvida. Agora, entretanto, o problema é com as

leis antitabagistas. O problema passou a ser "discriminação tabagística". Esse foi

um dos motivos que me levaram a ser escritora: poder fumar em paz.

— Escrever – respondi, quando minha assistente social perguntou o que eu

pretendia fazer depois de sair do hospital. — Vou ser escritora.

— É um ótimo passatempo, mas como é que você vai se sustentar?

Minha assistente social e eu não simpatizávamos uma com a outra. Eu não

gostava dela porque ela não entendia que eu era assim; e que ia ser escritora, e

não uma datilógrafa de contas semestrais, nem uma vendedora de tigelas para

gratinado ou uma idiotice desse tipo. Ela não gostava de mim porque eu era

arrogante, pouco cooperativa e ainda por cima louca, provavelmente, pois insistia

em ser escritora.

— Protética – disse ela. — Seria perfeito. O curso é de apenas um ano. Tenho

certeza de que você conseguiria lidar com as responsabilidades.

— Você não entende – falei.

— Não, você é que não entende – ela disse.

— Detesto dentistas.

— É um trabalho ótimo, limpo. Você precisa ser realista.

— Valerie, ela quer que eu seja protética – eu disse, de volta ao pavilhão. —

Isso é impossível.

— É mesmo? – Pelo jeito, Valerie também não entendia. — Nada mal. Um

trabalho ótimo, limpo.

Por sorte, recebi um pedido de casamento e eles me deram alta. Em 1968,

todo mundo entendia um pedido de casamento.


Garota, interrompidaOnde histórias criam vida. Descubra agora