TALVEZ AINDA NÃO ESTEJA CLARO por que vim parar aqui. Deve ter sido
por algo mais do que uma espinha. Não mencionei que nunca havia visto aquele
médico antes, nem que ele levou quinze minutos – ou vinte, talvez – para resolver
me internar. O que eu tinha de tão demente que em menos de meia hora um
médico me despachou para o hospício? E ele me tapeou: tinha dito que eu ficaria
algumas semanas. Fiquei quase dois anos. Eu tinha 18 anos.
Minha internação foi voluntária. Tinha de ser, pois eu era maior de idade. Era
isso ou um mandado judicial – se bem que, no meu caso, nunca teriam
conseguido um mandado judicial –, mas eu não sabia disso e, portanto, interneime
voluntariamente.
Eu não era uma ameaça para a sociedade. Seria uma ameaça para mim
mesma? As cinquenta aspirinas... mas isso eu já expliquei. Eram metafóricas. Eu
queria me livrar de certo aspecto da minha personalidade. O que fiz com aquelas
aspirinas foi uma espécie de autoaborto. Por algum tempo, deu certo. Depois, o
efeito passou, mas não tive coragem de tentar de novo.
Vejam pelo ponto de vista do médico. Estávamos em 1967. Até mesmo vidas
como a dele, vidas profissionais vividas nos bairros elegantes, no meio do verde,
tinham um estranho substrato, uma contracorrente originada em outro mundo – o
universo baratinado e à deriva da juventude sem sobrenomes – que tirava as
pessoas do prumo. Usando a linguagem dele, poderíamos chamar esse mundo de
"ameaçador". O que essa garotada está fazendo? E aí, de repente, uma dessas
jovens entra no seu consultório, vestindo uma saia do tamanho de um
guardanapo, ostentando no queixo um monte de espinhas e falando em
monossílabos. Está chapada, ele conclui. Torna a conferir o nome anotado no
bloco à sua frente. Não foi apresentado aos pais dela em uma festa, há dois anos?
Do corpo docente de Harvard... ou seria do MIT? As botas dela estão gastas, mas
o casaco é de boa qualidade. O mundo lá fora é ruim, como diria Lisa. Ele não
pode, em sã consciência, devolvê-la a esse mundo, onde ela seria arrastada pela
maré abaixo dos padrões da sociedade que volta e meia invade seu consultório e
nele atira outras iguais a ela. Uma forma de medicina preventiva.
Estarei sendo generosa demais com ele? Há alguns anos, li que foi acusado de
assédio sexual por uma ex-paciente. No entanto, isso vem acontecendo muito,
acusar os médicos virou moda. Vai ver que era apenas muito cedo naquela
manhã, tanto para ele quanto para mim, e ele não pensou direito no que fazer.
Vai ver que – e isso é mais provável – ele apenas quis tirar o corpo fora.
Já o meu ponto de vista é mais difícil de explicar. Eu fui lá. Primeiro, fui ao
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Garota, interrompida
Chick-LitAS PESSOAS ME PERGUNTAM: como você foi parar lá? O que querem saber, na verdade, é se existe alguma possibilidade de também acabarem lá. Não sei responder à verdadeira pergunta. Só posso dizer: é fácil.