O Táxi

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— VOCÊ ESTÁ COM UMA ESPINHA – disse o médico. Eu vinha torcendo para ninguém perceber. — Você a espremeu – ele prosseguiu.

Naquela manhã, quando acordei (e tinha acordado cedo para não perder a consulta), a espinha atingira um estágio de expectante maturidade, pedindo para ser espremida. Era seu anseio de liberdade. Libertá-la de sua pequena cápsula branca, espremendo até jorrar sangue, provocou em mim um sentimento de realização. Eu havia feito tudo o que podia ser feito por aquela espinha. (ok, isso foi nojento)

— Você andou se espremendo – disse o médico. Concordei com a cabeça.

Uma vez que ele ia insistir naquilo até que eu concordasse, então concordei.

— Você tem namorado? – ele perguntou.

Concordei com a cabeça de novo.

— Problemas com ele? – Não era uma pergunta, na verdade, pois ele mesmo já balançava a cabeça afirmativamente. — Você andou se espremendo – repetiu. De repente, saiu de trás da mesa e avançou em minha direção. Era um homem gordo e tenso, moreno, de barriga compacta.

— Você precisa descansar – proclamou.

De fato, eu precisava descansar, sobretudo por ter levantado tão cedo para ir ao médico, que ficava em um subúrbio elegante. Tive de mudar de trem duas. vezes e depois teria de voltar pelo mesmo caminho para chegar ao trabalho. Só de pensar nisso eu já me sentia cansada.

— Não concorda comigo? – Ele continuava ali de pé, na minha frente. — Não acha que precisa descansar?

— Acho – respondi.

Ele foi até a sala contígua. Pude ouvir que falava ao telefone.

Volta e meia penso naqueles minutos seguintes – meus últimos dez minutos.

Por um instante, senti vontade de me levantar e sair porta afora, caminhar os vários quarteirões até a estação para esperar o trem que me levaria de volta ao meu namorado complicado, ao meu emprego na loja de utensílios para cozinha, mas estava cansada demais.

Ele voltou à sala, diligente, despachado e muito cheio de si.

— Consegui um leito para você – disse. — Você vai descansar. Só algumas semanas, certo?

Seu tom de voz era conciliador e suplicante – o que me deixou assustada.

— Na sexta-feira eu vou -respondi.

Estávamos na terça; talvez até sexta eu não quisesse mais ir. Ele avultou à minha frente, com sua barriga.

— Não. Você vai agora.

Aquilo me pareceu um pouco insensato.

— Tenho um compromisso para o almoço – argumentei.

— Esqueça – ele disse. — Você não vai a esse almoço. Vai para o hospital.

Seu ar era de vitória.

Aquele subúrbio, antes das oito da manhã, era muito tranquilo. E nenhum de nós tinha algo mais a dizer. Ouvi o barulho do táxi estacionando na entrada de
carros do consultório do médico.

Ele me pegou pelo cotovelo, que apertou entre os dedos grandes e grossos, e me conduziu para fora. Sem largar do meu braço, abriu a porta traseira do táxi e me empurrou para dentro. Sua enorme cabeça pairou um instante ao meu lado, no banco traseiro. Então ele bateu a porta.

O motorista abaixou o vidro até a metade.

— Para onde?

Sem paletó na manhã fria e com as pernas grossas bem plantadas na entrada de carros, o médico ergueu o braço e apontou para mim.

— Leve-a para o McLean – disse. — E não permita que ela desça no meio do caminho.

Deixei a cabeça cair sobre o encosto e fechei os olhos. Sentia alívio por estar em um táxi e não ter de esperar o trem..








Garota, interrompidaOnde histórias criam vida. Descubra agora