Ossos expostos

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PARA MUITAS DE NÓS, o hospital era tanto um refúgio quanto uma prisão.

Embora estivéssemos afastadas do mundo e de todas as confusões que

adorávamos aprontar nele, também estávamos afastadas das cobranças e das

expectativas que nos haviam enlouquecido. O que podiam cobrar de nós,

enfiadas no hospício?

O hospital nos protegia de todo tipo de coisas. Pedíamos às funcionárias para

não aceitar telefonemas ou visitas de pessoas com quem não queríamos falar,

ainda que fossem nossos pais.

— Estou transtornada demais! – choramingávamos e, assim, não

precisávamos falar com quem quer que fosse.

Enquanto estivéssemos dispostas a continuar transtornadas, não precisaríamos

arranjar trabalho ou estudar. Conseguiríamos nos esquivar de quase tudo, a não

ser de comer e de tomar a medicação.

Em um estranho sentido, éramos livres. Tínhamos chegado ao fim da linha.

Não tínhamos mais nada a perder. Nossa privacidade, nossa liberdade, nossa

dignidade: tudo isso tinha acabado. Estávamos despidas até o osso.

Assim nuas, precisávamos de proteção, e o hospital nos protegia. É claro que

primeiro o hospital nos desnudava —, mas isso apenas reforçava sua obrigação

de nos dar abrigo.

E o hospital cumpria sua obrigação. Para tanto, as famílias tinham de pagar

uma nota preta: sessenta dólares (dólares de 1967) só pela diária do quarto; a

terapia, os remédios e as consultas eram cobrados à parte. Um seguro de

hospitalização psiquiátrica normalmente cobria noventa dias. Noventa dias,

contudo, mal davam para começar no McLean. Só o meu diagnóstico levou

noventa dias. Minha internação custou o que custavam muitos daqueles cursos

universitários que eu rejeitava.

Se a família deixasse de pagar, a internação era suspensa e éramos atiradas

nuas em um mundo onde não sabíamos viver. Preencher um cheque, usar o

telefone, abrir uma janela, passar a chave na porta – essas eram apenas algumas

das coisas que havíamos esquecido como fazer.

Nossas famílias. No entendimento geral, era por causa delas que estávamos

ali. No entanto, elas não tinham a menor participação em nossa vida hospitalar.

Ficávamos na dúvida: também estaríamos assim ausentes da vida delas, lá fora?

Os lunáticos são como os rebatedores escalados em uma partida de beisebol.

Muitas vezes, a família toda é louca, mas, como não se pode mandar uma

família inteira para o hospício, um de seus membros é declarado louco e

internado. Aí, dependendo da reação do resto da família, essa pessoa permanece

Garota, interrompidaOnde histórias criam vida. Descubra agora