NATAL EM CAMBRIDGE. Os estudantes de Harvard vindos de Nova York e do
Oregon haviam trocado de lugar com os estudantes de Colúmbia e Reed, vindos
de Cambridge: as cadeiras musicais das férias.
O irmão de um amigo meu, que morreria de morte violenta – embora ainda
não soubéssemos disso, pois sua morte estava quase dois anos no futuro –, levoume
ao cinema, onde conheci aquele que viria a ser meu marido. Nosso
casamento também estava no futuro, a dois anos de distância.
Conhecemo-nos em frente ao Cinema Brattle. O filme era Les enfants du
paradis [O boulevard do crime]. Naquela tarde, no ar seco e luminoso de
dezembro, Cambridge parecia uma espécie de paraíso, fervilhando de luzes, de
gente fazendo compras de Natal e uma neve fina e seca. A neve caía sobre os
cabelos finos e louros do meu futuro marido. Os dois, o irmão do meu amigo
condenado e ele, haviam sido colegas de ginásio em algum lugar. Ele tinha vindo
de Reed passar os feriados de Natal em casa.
Sentei-me entre os dois, no balcão, onde podíamos fumar. Muito antes de
Baptiste perder Garance no meio da multidão, meu futuro marido já segurava a
minha mão. Ainda a segurava quando saímos do cinema. O irmão do meu amigo
teve a delicadeza de nos deixar ali, entre os redemoinhos de neve da noite de
Cambridge.
Ele não me largou. Estávamos contaminados pelo filme, e Cambridge estava
linda naquela noite cheia de vida e possibilidades. Passamos a noite juntos, em
um apartamento que um amigo lhe emprestara.
Ele voltou para Reed; eu voltei para o meu balcão de espremedores de alho e
panelas para madeleines. Depois, o futuro fechou seu cerco e me esqueci dele.
Ele não se esqueceu de mim. Naquela primavera, quando se formou e voltou
para Cambridge, procurou-me no hospital. Ia passar o verão em Paris, disse, mas
me escreveria. Não esqueceria de escrever, declarou.
Não prestei atenção. Ele vivia em um mundo onde o futuro existia. Eu não.
Quando voltou de Paris, a coisa estava feia: a partida de Torrey, o problema
com meus ossos, a preocupação com o tempo perdido na cadeira do dentista. Eu
não queria vê-lo e disse às funcionárias que estava muito transtornada.
— Impossível! Estou transtornada demais.
Em vez disso, conversamos pelo telefone. Ele estava de mudança para Ann
Arbor. Para mim, tanto fazia.
Ele não gostou de Ann Arbor. Oito meses depois, estava de volta, querendo me
visitar de novo.
As coisas já não estavam tão feias. Eu conquistara muitos privilégios. Fomos
ao cinema, preparamos o jantar juntos, no apartamento dele, assistimos às
notícias sobre as baixas do dia no noticiário das sete. Às onze e meia eu chamaria
um táxi para voltar ao hospital.
Mais tarde, ainda naquele verão, o corpo do meu amigo foi encontrado no
poço do elevador. O verão estava quente, e o corpo dele estava em
decomposição parcial. Foi assim que terminou seu breve futuro, no fundo de um
poço, em um dia de calor.
Uma noite, em setembro, voltei para o hospital cedo, antes das onze. Lisa
estava sentada no nosso quarto, com Georgina.
— Recebi um pedido de casamento esta noite – informei.
— O que foi que você disse? – perguntou Georgina.
— Recebi um pedido de casamento – respondi. Da segunda vez que tive de
repetir, fiquei mais espantada.
— Para ele – explicou Georgina. — O que foi que você disse para ele?
— Disse que sim – falei.
— Você quer se casar com ele? – perguntou Lisa.
— Claro – eu disse. Contudo, não tinha certeza absoluta.
— E aí? – perguntou Georgina.
— Como assim?
— Vocês se casam. E aí, acontece o quê?
— Não sei – respondi. — Não tinha pensado nisso.
— É bom pensar – disse Lisa.
Tentei pensar. Fechei os olhos e pensei em nós dois na cozinha, picando e
mexendo as panelas. Pensei no enterro do meu amigo. Pensei em idas ao
cinema.
— Nada – eu disse. — É tranquilo. É como... sei lá. É como despencar de um
penhasco. – Soltei uma risada. — Acho que quando eu me casar, minha vida vai
parar, pura e simplesmente.
Não parou. Também não foi tranquila. No fim, eu o perdi. Fiz de propósito,
como quando Garance perdeu Baptiste no meio da multidão. Ache
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Garota, interrompida
ChickLitAS PESSOAS ME PERGUNTAM: como você foi parar lá? O que querem saber, na verdade, é se existe alguma possibilidade de também acabarem lá. Não sei responder à verdadeira pergunta. Só posso dizer: é fácil.