ANTES

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                                                              Ridley


Existem apenas dois tipos de Mortais neste fim de mundo que é Gatlin, na

Carolina do Sul — os burros e os empacados. Pelo menos, é isso que dizem.

Como se houvesse algum outro tipo de Mortal em outro lugar.

Sei.

Por sorte, só existe um tipo de Sirena, não importa aonde você vá neste

ou no Outro Mundo.

Empacada, não.

Esnobe? Talvez.

Burra?

É tudo uma questão de perspectiva. A minha é: já fui chamada de muita

coisa, mas o que realmente sou é uma sobrevivente — e, embora existam

Sirenas burras, não há nenhuma sobrevivente burra.

Basta dar uma olhada em minha ficha. Vivi mais que alguns dos maiores

Conjuradores das Trevas e outras criaturas. Suportei meses inteiros na

Stonewall Jackson High. Além disso, sobrevivi a milhares de terríveis

canções de amor de Wesley Lincoln, um menino Mortal sem a menor noção

de nada que se tornou um quarto Incubus, mas igualmente sem noção. E

que, por sinal, não é o mais talentoso dos músicos.

Por um tempo, sobrevivi à vontade de escrever para ele minha canção

de amor.

Isso foi mais difícil.

O papel de Sirena é para ser uma via de mão única. Pergunte a Ulisses e

ao equivalente a dois mil anos de marinheiros mortos se não acreditar em

mim.

Não escolhemos que fosse assim. Foi o destino que recebemos, e não vão

me ouvir reclamando. Não sou minha prima Lena.

Vamos esclarecer uma coisa: eu tenho de ser a vilã. Sempre vou

decepcionar. Seus pais vão me detestar. Você não deve torcer por mim. Não

sou um bom exemplo.

Não sei por que todo mundo parece se esquecer disso. Eu nunca

esqueço.

Não importa o que diga, Lena nasceu para ser Luz. Eu nasci para ser

Trevas. Respeitem as equipes, pessoal. Pelo menos, aprendam as regras.

Meus pais me deserdaram depois que as Trevas me Invocaram na minha

Décima Sexta Lua. Desde então, nada me incomoda... nada, nem ninguém.

Sempre soube que minha estadia no sanatório que o tio Macon chama de

Fazenda Ravenwood seria uma parada temporária no caminho para maior

e melhor, minhas duas palavras preferidas. Pra ser sincera, é mentira.

Minhas duas palavras preferidas são as que compõem meu nome, Ridley

Duchannes.

Por que não seriam?

Claro, Lena recebe todo o crédito por ser a Conjuradora mais poderosa

de todos os tempos.

Problema dela. Isso não me faz menos excelente. Como não faz o

namorado Mortal bom-demais-pra-ser-verdade, Ethan, o Teimoso Wate,

que derrota as Trevas em nome do verdadeiro amor todos os dias da

semana.

E daí?

Eu nunca seria perfeita. A essa altura já deveria estar claro.

Fiz minha parte, joguei minha mão e até lancei minhas cartas quando

precisei. Apostei o que não tinha, e blefei até conseguir. Uma vez Link falou:

Ridley Duchannes está sempre jogando. Nunca disse isso a ele, mas ele tinha

razão.

O que há de tão ruim nisso? Eu sempre soube que preferia jogar a

assistir das laterais.

Exceto uma vez.

Houve um jogo que lamentei. Pelo menos, um que lamentei ter perdido.

E um Conjurador das Trevas para quem lamentei perder.

Lennox Gates.

Duas marcações. Tudo que eu devia a ele, e era o bastante para mudar

tudo. Mas estou me adiantando.

Tudo começou muito antes disso. Havia dívidas de sangue a serem pagas

— apesar de o pagamento não ser função da minha prima e do namorado

dessa vez.

Ethan e Lena? Liv e John? Macon e Marian? Não tinha mais a ver com

eles.

A questão agora envolvia a mim e a Link.

Eu deveria ter sabido que não escaparíamos tão facilmente. Nenhum

Conjurador cai sem luta, mesmo quando você acha que a luta já acabou.

Nenhum Conjurador permite que você vá em direção ao pôr do sol em

algum unicórnio branco ridículo ou na lata velha que seu namorado chama

de carro.

Qual é o final feliz de conto de fadas de Conjuradores?

Não sei; Conjuradores não têm contos de fadas — principalmente

Conjuradores das Trevas. Esqueça o pôr do sol — o castelo todo é

incendiado e consome o Príncipe Encantado. Depois os sete anões se

transformam em ninjas e chutam sua bunda para fora do reino.

É assim que acontece num conto de fadas de um Conjurador das Trevas.

O que posso dizer? A lei do retorno é implacável.

Mas a questão é:

Eu também sou.

SirenaWhere stories live. Discover now