Capítulo 23

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      Mary ouviu atenta, não desviava um minuto se quer o olhar de Santiago. Parecia apavorada, como sempre parecia. Aquela frase fez a moça relembrar tudo o que já acontecerá com ela. Seus momentos complicados na Universidade, a tensão no banheiro do aeroporto nos Estados Unidos quando estava indo para Inglaterra; o medo do menino dentro do avião; e todas as coisas que já aconteceram.

      Santiago por sua vez, terminou de ler e voltou os olhos para o chão, certamente estava sem coragem em enfrentar os olhos de Mary. As mãos do rapaz começaram a ficar trêmulas, seu coração esmurrava o peito e as dúvidas pairavam em sua mente.

      O silêncio tomava conta de toda aquela sala e isso incomodava... O silêncio era ensurdecedor, e nada, nada é mais ensurdecedor do que o silêncio, pois no momento que a alma precisa de algo, o silêncio a toma, a incomoda de tal maneira que perturba cada parte do ser...

      Mary tocou a mão de Santiago, como quem fala: "Conte comigo"... Mas o rapaz parecia confuso, muitas coisas estavam acontecendo e nada, nada o fazia entender o significado de tudo aquilo.

      — Então Santiago, diga alguma coisa! — Indagou Mary, trêmula e suando frio.

      — O quê você quer que eu diga?

      — Não sei! Diga algo útil!

      — Você sabe que isso significa doutora?

      — Não Santiago!

       Enquanto Mary e Santiago se questionavam sobre aquilo, David saia do hospital em direção à garagem, onde tomou seu carro particular e saiu levando consigo uma maleta de pano preto surrado.

      O médico deixou a instituição com muita pressa,cantando pneus, próximo ao portão de saída.    

      A noite já tomava conta da pequena East Sussex. A lua "pendurada" no céu escuro, iluminava boa parte daquele lugar. Algumas estrelas piscavam, no entanto, boa parte já era "engolida" pelas nuvens carregadas que traziam chuva; nuvens essas que logo cobririam a lua, tornando East Sussex escura, fria e chuvosa...

      David guiou seu carro por alguns quilômetros, saindo assim do asfalto aspero e molhado para adentrar em uma estradinha de terra batida. O vento começava os seus trabalhos, balançando as copas das árvores freneticamente de um lado para o outro. A lua foi encoberta por uma densa nuvem escura carregada de chuva, que em questão de tempo começou a cair por todos os lado. Agora, quem iluminava o céu eram os raios que "piscavam" em intervalos de poucos minutos. A água começava a ficar empoçada na estrada e a lama grudava nos pneus do carro do médico, em um perfeito casamento.

      Quanto mais andava, mais afastado ficava da pequenina East Sussex, as casas começavam a desaparecer e apenas a chuva e o breu eram visiveis naquela noite.

      Ao se aproximar de algumas árvores, David baixou a luz do carro e ficou observando ao longe uma movimentação um tanto quanto estranha...

      Entre as árvores, um homem, alto, robusto, vestindo roupas estranhas, parecidas com as que Santiago encontrou no armário do médico; caminhava impaciente de um lado para o outro, enquanto era banhado pela chuva.

      David pegou sua maleta no banco do carona e a abriu, retirou uma capa preta de plástico, vestiu-a dentro do carro e saiu, deixando a luz acessa iluminando o homem.

      O médico caminhava lentamente, não se importando comos raios, muito menos com a chuva. Cada passo dado sujava um pouco seu sapato branco com a lama que se formava. Permanecia com a cabeça voltada ao chão, sem ao menos levantar o olhar para observar o mundo em sua volta. Entre as árvores, o homem parou de caminhar, retirou um pouco o capuz que caia sobre seus olhos e permaneceu fixo olhando para David que ia em sua direção.    

      Antes de se aproximar, David saiu da estrada de terra e passou a caminhar sobre um mato ralo, passando com força seus pés no chão para retirar o excesso de barro.

      — David, David, David! — Gritou o homem ao ver o médico se aproximar, enquanto retirava totalmente o capuz da cabeça. — Achei que fosse britânico!

      — Diferente de você, eu trabalho! — Retrucou David enquanto finalmente levantava a cabeça e olhava de frente o homem.

      Ao aproximarem-se, ambos se cumprimentaram pegando no antebraço um do outro. Em seguida, terminaram o cumprimento dando um beijo no rosto e um abraço. Naquele momento não pareciam ingleses, mas sim membros de alguma máfia...

      — Meu nobre amigo; não sabe reconhecer uma brincadeira?

      David olhou para o homem e apenas sorriu de modo sarcástico, enquanto dava um tapa "carinhoso" no ombro esquerdo do rapaz.

      — David, onde está sua roupa?

      — Agora que percebi que a esqueci dentro do carro. Irei lá busca-la!

      David enxugou a testa com o braço, deu meia volta e começou a caminhar em direção ao carro.

      Cada passo era dado com dificuldade, principalmente quando voltou a caminhar na estrada de terra, onde seus pés afundavam na lama. Ao se aproximar do carro, abriu a porta e inclinou-se para dentro tentando alcançar sua veste no banco de trás do carro, no entanto, antes mesmo que pudesse voltar a posição correta, sentiu algo o agarrar por trás, estrangulando seu pescoço... Sentia o ar adentrar lentamente em suas narinas, chegando pouco a pouco em seus pulmões, de modo lento... Um névoa começou a tomar conta de seus olhos, que em poucos segundos foram escurecendo e sua consciência foi se perdendo naquela névoa, no pouco ar e na escuridão da noite...


A Outra Face do MedoWhere stories live. Discover now