Era inverno nos Estados Unidos, as árvores sem folhas poupavam energias para poderem surgir majestosamente na primavera. Os lagos antes movimentados davam lugar a uma mortífera solidão. Os campos verdes e floridos deram espaço para um cenário pálido, como de um corpo recém falecido.
Nas calçadas, as crianças criavam os mais belos bonecos de neve. Em meio todo esse cenário, um taxi passava lepidamente pelas ruas tranqüilas e esburacadas daquela pequenina cidade. Mary estava no banco traseiro, ela era uma psicóloga recém formada na prestigiada Universidade de Harvard.
Mary era uma jovem de vinte quatro anos, seus cabelos eram longos, negros e encaracolados, que faziam contraste com a paisagem pálida e morta que se tinha do lado de fora. Sua pele era levemente bronzeada pelo Sol que raramente aparecia naquela região, seus olhos castanhos transmitiam uma calmaria indescritível.
Na Universidade, ela nunca foi uma ótima aluna. Na verdade nunca queria ser psicóloga. Durante o colegial passava horas e horas afundada na frente do computador fazendo testes vocacionais, e quase todos mostravam que a jovem Mary tinha ótima aptidão para as ciências exatas. Porém seu sonho de infância era ser advogada. Sonhava dia e noite cursando direito e dentro dos tribunais vestindo uma toga preta realizando as mais belas explanações. Entretanto o destino reservou outro futuro para ela, e a psicologia foi quase que inevitável.
Mary nunca chegou atrasada na universidade. A pontualidade era seu ponto mais forte. Nunca teve muitos amigos, e em Harvard não foi diferente. Os trabalhos em grupo quase sempre eram feitos sozinhos, evitava ao máximo conversar com qualquer pessoa. Na republica onde morou boa parte da vida acadêmica, conversava o básico com todos. Porém mesmo sendo desse jeito, conseguiu namorar um jogador de futebol da universidade.
O taxi se aproximava do seu destino final, o aeroporto internacional de Los Angeles. Mary parecia preocupada, apertava violentamente a passagem com a mão esquerda, enquanto com a outra mão, apertava um envelope contra o próprio peito. Em intervalos de poucos segundos repetia instintivamente em baixo tom: "será?", enquanto relembrava do seu passado na universidade.
Alguns meses antes da formatura, Mary foi espancada em um dos blocos da faculdade. Tudo por causa de seu namorado famoso. Sim, famoso. Nos Estados Unidos os jogadores universitários de futebol americano são tratados como estrelas. Caminhando pelo corredor indo em direção a sua sala, Mary foi derrubada por um grupo de moças invejadas pelo fato da jovem ter um namorado de tal status. Dentro daquele taxi, a jovem fechou os olhos e teve um flashback daquela situação incomoda. Colocou a mão sob a boca e começou a murmurar e a pensar...
“Estranho, nunca tive desavenças com nenhuma pessoa. Creio que o fato de eu ser assim tão fechada, tão tímida, seja justamente esse, querer evitar conflitos. Porém eu não podia me enganar, estava terminando algo que eu nunca quis fazer, logo, creio que não sou uma pessoa digna em falar sobre evitar conflitos, visto que tenho um conflito enorme comigo mesmo. Namorar na universidade também não foi uma boa escolha. Faltavam uns trinta a quarenta dias para terminar o curso, estava eu no corredor de acesso a sala, quando algumas moças se aproximaram, não consegui ver, mas acho que tinham mais ou menos umas quatro ou cinco. Não vi muita coisa, apenas senti alguém me passando uma rasteira. Fui de cara ao chão. Perdi dois dentes. Lembro-me que ainda caída ao chão, desferiram sobre mim vários chutes. Tudo por causa de um rapaz. Todavia, creio que ele nunca sentiu nada por mim, acredito que estava comigo apenas para cumprir alguma aposta tola que todos os rapazes imaturos fazem quando estão na faculdade. Pois ele passou próximo a mim, e nada fez me viu caída, ensanguentada e não fez absolutamente nada. Que tipo de namorado, diferente dos demais. Naquele momento eu queria levantar e degolar o pescoço daquele infeliz. Apanhei muito mesmo aquele dia, porém nada pude fazer, tive que aceitar aquele espancamento gratuito como um mendigo aceita um prato de comida sem ao menos se certificar que a mesma esta realmente em condições de ser comida. Nunca gostei daquele lugar. Lógico as pessoas ficam boquiabertas: “Nossa ela estuda em Harvard” e eu as digo: “grande coisa”. Foram os piores anos de minha vida. Sentia-me como uma um bicho fora de seu habitat. Sabia que não era bem vista e nem era bem vinda naquele local. Não tinha nenhum amigo. Minha única diversão naquela local era ficar na biblioteca, ouvindo musica e lendo alguns livros. Porém não lia nada de psicologia, já lia dentro da sala e em casa, porque deveria ler psicologia na biblioteca? Foi em Harvad que conheci as historias de suspense e terror. Stephen King foi o primeiro livro de terror que encontrei pelas prateleiras. Li algumas coisas sobre um jovem bruxo, porém não me interessei muito, afinal eu já parecia uma bruxa. De um tempo para cá fiquei um pouco mais atraente, mas não mudei meu jeito, calada, fechada. Creio que dificilmente encontrarei alguém nessa vida. Tenho um irmão, porém pouco o vejo, e meus pais, estão bravos comigo. E agora estou aqui, dentro dessa droga de taxi indo em busca de um futuro melhor para mim...”
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A Outra Face do Medo
HorrorMary é uma psicóloga recém formada nos Estados unidos e recebe um convite para trabalhar em um hospital psiquiátrico na Inglaterra, porém esse hospital se tornou noticia no mundo todo por causa de duas mortes que ali aconteceram; mortes atribuídas a...