Após vinte e nove minutos, Santiago retornou a sala de psiquiatria. Ele já não usava mais o blazer. Entrou na sala girando o molho de chaves no dedo indicador direito e assoviando "Garota de Ipanema".
— Você tem acesso às correspondências do hospital? – indagou Mary com os envelopes nas mãos e um olhar tétrico.
— Não sei do que você está falando. Eu não tenho acesso às cartas. Sou estagiário aqui, mesmo sendo psiquiatra, não trabalho aqui em tal função. Meu acesso a algumas partes do hospital é limitado. – disse Santiago, parando rapidamente de girar o molho de chaves, e as guardando no bolso.
Após uma rápida pausa, Santiago continuou:
— Mas porque perguntas?
— Por nada. Respondeu Mary virando-se para sair da sala.
Santiago só observava, assim que ela estava saindo, ele segurou-a fortemente pelo braço e a olhou fixamente nos olhos:
— O que você encontrou aqui? O que tem nestes benditos envelope? Diga-me!
— Não tenho nada a dizer a você. Deixe-me ir. Vamos, deixe-me.
— Você não sai daqui até me contar o que está acontecendo!
— Sei que não foi você, mas deixe-me ir, por favor, Santiago.
— Conte-me, por favor.
— Porque insiste? Não quero falar porcaria nenhuma!
— Porque ficou tão nervosa? Só porque não terminamos o que começamos? Podemos terminar.
— Seu maldito! Não é isso, apenas não quero falar! Respeite-me!
— Apenas quero lhe ajudar. Acalme-se! – disse Santiago se aproximando lentamente de Mary.
— Não tem como ajudar!
— Claro que tem! Se abra comigo, por favor!
Mary se sentou no divã, afundou os cotovelos nas coxas e começou falar chorando:
— Assim que cheguei aqui, escrevi duas cartas aos meus pais e nunca obtive respostas. Pensei que estavam bravos comigo, pois nunca aceitaram a minha vinda para East Sussex pelo fato dessa droga de hospital ter sido alvo de uma tragédia. Porém passei por cima da autoridade deles e vim para cá. Quando você me buscou no aeroporto e paramos naquele restaurante, um homem apareceu empunhando um urso de pelúcia que ganhei quando pequena.
— Porque não me disse isto antes? Perguntou Santiago impondo uma voz forte.
— Como você disse quando estávamos no seu carro e encontrei a sua licença: não era necessário.
— Então vai se comportar dessa maneira infantil? Indagou Santiago, exprimindo um riso sarcástico.
— Eu nem te conheço direito, não preciso divulgar minha vida a ninguém, se quisesse isso, divulgaria ela em uma coluna de jornal! – Retrucou Mary se levantando enquanto Santiago pegava novamente em seu braço.
— Percebo Mary, que a educação não é o seu forte, doutora. Agora pode ir. – Disse soltando o braço da psicóloga.
Assim que ele a largou, Mary olhou para o braço que se encontrava vermelho devido à pressão imposta pelo psiquiatra e perguntou:
— Qual o conteúdo das caixas?
— Bem, eu poderia lhe dizer que não diz respeito a você, mas como tenho educação... Digo-lhe que saberás o conteúdo no momento certo. Na verdade nem seu sei o conteúdo delas. Apenas me pediram para aguardar esse caminhão.
— Hum... Ok então senhor Santiago!
Mary virou-se e retirou-se da sala. Percorrendo os corredores do hospital lepidamente a caminho do quarto 415.
Santiago por sua vez, deslocou-se a sala da presidência, sussurrando repetidamente: xeque-mate.
—Chegando a sala, o rapaz bateu na porta, ouvindo lá de dentro uma voz autorizando a entrada.
— Senhor.
— Entre Santiago, sente-se. O que deseja?
— Eles já chegaram.
— Quando?
— Agora pouco senhor.
— Perfeito. Alguém viu?
— Fique calmo. Está tudo sobre controle. Como dizem lá no Brasil, relaxa. Ambos riram, e em seguida um silêncio sepulcral tomou conta da sala.
— Ainda aqui? Indagou David, colocando fim aquele silêncio.
Santiago levantou-se e se retirou da sala a caminho de seu quarto.
Quanto isso, Mary entrava no quarto 415. Ao adentrá-lo, se deparou com o paciente sentado na cama, escrevendo em um pedaço de papel com o auxilio de um grafite. Aquele homem aparentava ter mais de trinta e cinco anos, e menos de quarenta. Tinha aproximadamente um metro e oitenta e oito de altura. Cabelos loiros, curtos e lisos. Os olhos eram grandes, negros e brilhantes.
— O que escreves? Perguntou à psicóloga.
O paciente não respondeu, continuou a escrever vagarosamente.
— O que escreves? Indagou novamente à psicóloga.
O paciente nada falou, continuo como estava, escrevendo, porém impondo um ritmo mais apressado em sua escrita. Alguns minutos se passaram, ele ergueu a cabeça e entregou o pedaço de papel a Mary.
Assim que terminou a leitura, a psicóloga franziu a testa, bocejou e olhando fixamente para o paciente perguntou:
— O que escrevestes? Não há nada aqui nesse papel.
— Tem sim. E você sabe que tem!
— É apenas uma folha em branco, vazia, com apenas alguns riscos sem conexão alguma. Retrucou à psicóloga, coçando a cabeça.
— E me diz como se sente. Não se sente assim, vazia? Sem conexão?
— Como sabes que me sinto assim? – Indagou a psicóloga, um tanto quanto perturbada com a situação.
— Sei de muitas coisas, muitas coisas... Respondeu o paciente, dando as costas a Mary e indo deitar-se.
Ela por sua vez, saiu do quarto e se dirigiu a seu escritório, segurando o pedaço de papel em sua mão esquerda. Assim que adentrou na sala, sentou em sua cadeira, pegou o telefone e ligou a New England. O telefone do outro lado tocou insistentemente sem ninguém atender...
Alguns minutos se passaram, Mary tomou novamente o telefone com uma das mãos, discou novamente e o do outro lado o telefone insistia em tocar em obter nenhuma resposta. A jovem psicóloga desligou, cruzou as pernas e começou a pensar o que acontecerá que não conseguia conversar com seus pais. Levantou e se dirigiu até uma pequena geladeira no canto de seu escritório, abriu a porta, pouco se tinha lá dentro, pegou uma garrafinha transparente, com um liquido transparente, parecido com água e uma maçã; fechou a porta e percebeu um calendário na mesma com uma data marcada em vermelho por ela mesma:
— Nossa é hoje! – Disse ela abrindo a garrafinha; balançando negativamente a cabeça.
Dirigiu-se novamente para sua cadeira, com a água em uma das mãos e uma maçã na outra.
Ao sentar-se tentou ligar novamente para New England, sem sucesso. Preocupada, perguntava-se por que ninguém atendia, será que ainda estavam magoados?
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A Outra Face do Medo
HororMary é uma psicóloga recém formada nos Estados unidos e recebe um convite para trabalhar em um hospital psiquiátrico na Inglaterra, porém esse hospital se tornou noticia no mundo todo por causa de duas mortes que ali aconteceram; mortes atribuídas a...