84- Os 1% Parte 11

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O doutor estava sentado em um banquinho, olhando-a. Não sabia mais o que fazer com ela. Agora era como todos os outros. Apenas um ser humano estragado preso a um corpo. Não teria problema algum em operá-la. Já estava pensando na possibilidade de matá-la, só para deixar um quarto livre. Mas sentia algo estranho se agitando dentro dele. Talvez fosse um pingo de humanidade que ainda existia dentro de si. Não, isso não era possível.
Os olhos dela abriram lentamente, piscando enquanto reconhecia o recinto. Quantas vezes já havia deitado naquela mesa e sentido o a ponta afiada do bisturi dele? Não conseguia lembrar. Sua memória não era mais que um esfregão sujo parado em uma poça de água marrom . A lampada que pairava sobre sua cabeça parecia cem mil agulhas penetrando nos seus olhos. Ela umedeceu seu lábio rachado com a língua. O doutor levantou a cabeça. "Você acordou." disse, sem emoções.

"Sim." Ela percebeu que não estava paralisada como sempre. Seu maxilar doía, mas conseguia mexê-lo livremente. O que ele tinha feito da última vez? Ah, sim. O doutor tinha raspado mais da carne dos braços. Agora ela estava sem pele até o ombro. Mas ele deixou os ossos, saindo pra fora grotescamente do seu músculo detonado.

O doutor tensionou e depois relaxou os dedos. Se sentia... desajeitado. Que sensação estranha. O único sentimento que sentia com seus pacientes era poder. Controle. Excitação. Mas olhando para #1101, se sentia como um adolescente sem jeito. Não sabia o que dizem para ela, mas sentia que devia dizer algo.

"Eu..." fez uma pausa. Deus, como ele odiava aquela situação. "Eu estou vendo que você está se curando muito bem. O osso está quase todo branco."

Ela observou o braço esquelético. "Sim." Olhou de volta para ele sem reação. "O que você vai fazer comigo agora?"

Ele pigarreou. "Não sei." Levantou e começou a caminhar pela sala. "Estava pensando em te matar."

"Sim." A voz dela estava tão baixinha. Mexeu um pouco as pernas. "Isso seria legal."

"Não gosto de matar números." Se virou e olhou em direção dela. "Não sou um assassino. Sou um doutor."

"Então não me mate." Ela moveu os dedos do pé. Por alguma razão, poder se mover na presença dele era uma sensação muito boa.

"Você me lembra dela," o doutor falou do outro lado da sala. "Você tinha o mesmo tipo de corpo, antes de eu começar a trabalhar em você. O mesmo cabelo. Até o cheiro de vocês eram parecidos."

"Quem?" Ela percebeu que nunca tinham tido uma conversa antes. Era sempre um monólogo. Ela tinha estranhas visões de suas operações anteriores, gritando, chutando-o como se a salvação do mundo dependesse disso. Mas não conseguia se lembrar o por quê.

O doutor cerrou os pulsos. "Mãe."

Quando a última sílaba saiu de seus lábios, #995 entrou na sala. Ele tinha uma mulher jogada em seus ombros. Seu gancho havia adentrado perto do osso do quadril dela e sangue respingava por todo o lado. O doutor nem se quer olhou para eles. #995 gurniu.

O doutor estava exasperado. "Coloque ao lado de #1101."

#995 mancou até a mesa e colocou a mulher gentilmente no chão. Ela estava nua, com vários cortes em sua pele. #995 devia ter enfiado o gancho nela mais de uma vez por acidente. Colocou-a de barriga pra cima, com o torso e peitos expostos.

#995 se levantou lentamente. Ficou por um segundo inteiro encarando #1101 no fundo dos olhos. Ela viu a tristeza nele. Tentou demonstrar bondade em suas pupilas. Não conseguia se lembrar de muito, mas sabia que havia algo de bom nele.

"Saia," o doutor falou severamente. #995 andou o mais rápido que pode com suas pernas tortas. Ele fechou a porta da sala de cirurgia com um estrondo.

O doutor esfregou as têmporas. "Estava pensando em usar sua pele para #1495. Ela tem um tom de pele marrom horroroso, não acha?"

#1101 estudou com os olhos a mulher que estava no chão. Provavelmente ela era do Oriente Médio, ou talvez uma Latina. Estava completamente apagada e uma poça de baba formava-se no chão. Na verdade, ela era muito bonita, apesar dos comentários desagradáveis do doutor.

O doutor apoiou as costas contra a parede. "Não sei porque estou conversando com você assim. Não é profissional da minha parte. Você deve estar pensando mal de mim."
#1101 não conseguia tirar os olhos da mulher no chão. Estava fascinada. Ela seguiu olhando em direção aos seios. Virou a cabeça levemente para o lado.

O doutor respirou fundo. "#1101 posso saber porque você não está me respondendo?"

#1101 estava atraída pelas marcas de corte no corpo da mulher. Seguia com os olhos cada ferimento. Estudou os cortes brutos que pingavam e escorriam.

A raiva do doutor crescia. "Olhe para mim, #1101!"

#1101 continuou a ignorá-lo, e continuou a observar a mulher no chão. A mulher gemeu baixinho no seu sono induzido. Ela esfregou o estomago com a mão, deixando uma mão sanguenta estampada em seu ventre.

O doutor voou até #1101 e segurou raivosamente o rosto dela nas mãos. "Você irá me responder, #1101!"

#1101 não exitou. Ela moveu seu rosto rapidamente e afundou seus dentes na mão do doutor. Mordeu com força. Ele gritou e puxou sua mãe para longe. Ela segurou tão forte com os dentes que um pedaço da pele dele ficou em sua boca. Ele apertou a mão e olhou para ela. #1101 cuspiu o pedaço de pele e começou a rir, sangue escorrendo de seus lábios.

"Eu NÃO sou #1101. Meu nome é Mar! E nunca responderei a você!"

O doutor pegou um bisturi e foi em direção dela. Ela o chutou bem no estomago, fazendo-o cair. Mar sabia que não conseguiria fuir. Estava fraca demais e ele tinha seus comparsas por todo o escritório. Mas com sua paixão renascida, gritou para ele. "Você não é nada! Você não é um homem! É um garoto mijão! Garanto que sua mãe nunca lhe amou!" O doutor alcançou uma seringa que estava perto dele, cheia de paralisante. Deu um jeito de enfiar a agulha no pescoço dela. Continuou a xingá-lo até que o anestesiante fizesse efeito completo. Ele respirou fundo e deixou a seringa cair no chão. Seja lá o que tivesse tomado conta dela, estava farto daquilo. Iria costurar a boca dela para que não pudesse mais ouvir suas palavras desagradáveis. Tiraria as pernas para que ela não pudesse mais chutá-lo. Iria torturá-la dos piores jeitos possíveis até que ela se tornasse um nada novamente.

Tomado pela raiva, ele nunca notou os padrões dos cortes que #995 tinha feito "acidentalmente" na mulher desmaiada. Em cortes grossos e longos, as feridas soletravam três letras: M-A-R.

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