39- O ônibus

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O cara se mantivera sentado naquele banco sabe-se lá por quanto tempo. Era um ponto de ônibus em um lugar qualquer, nem mesmo o cara sentado ali sabia dizer onde estava. Tudo que sabia era que esperava um ônibus para dar o fora daquele lugar. Estava visivelmente bêbado. Os cabelos amarelos, grudentos e desgrenhados. Parecia que alguém havia derramado parafina de vela de sete dias em seus cabelos e a massa secou e agora alguns bolinhos de cabelo tornaram-se uma coisa só. Um rolo de cabelo nojento e amarelo, sua cabeça era um caos.

O rosto do homem não estava em condições melhores. Seu nariz mostrava traços de uma séria fratura que havia muito, fez seu nariz virar quase uma letra Z no centro de sua cara. A boca pendia nos cantos, dando-lhe um aspecto ainda mais triste e grotesco. O rosto era ossudo nas maçãs. Pontudo. Talvez por fumar crack demais e beber sem parar e não ingerir alimentos sólidos.

Isso ficava até mais aparente quando se reparava nas saliências das costelas debaixo da camiseta cinza, toda rasgada, puída e fedida. O cara tinha um fedor horrível de suor velho, urina e ferrugem. Também tinha um fedor de chulé que causava asco a qualquer um. Vestia uma calça de brim que um dia foi preta, agora estava desbotada. Os joelhos, ambos os joelhos, estavam expostos pelas fendas rasgadas nas pernas da calça. Calçava um chinelo de couro velho no pé esquerdo e um chinelo de borracha branco e azul no direito, os dois chinelos estavam em estado precário.

Aquelas coisas pareciam estar se fundindo aos cascões dos pés do Cara. As unhas amareladas, a do dedão direito estava preta. Havia fungo entre o dedo mínimo do pé esquerdo, talvez seu dedo caísse em alguns dias. O homem estava em deterioração avançada. Enquanto bocejava esperando o ônibus, notava-se a ausência de quase todos os dentes. Havia dois molares, um em cada lado da boca. O molar esquerdo ficava em cima o direito, que já estava preto e quebrado, ficava embaixo. Os dentes da frente não existiam mais.

A presa do lado direito era estranha, longa e parecia quadrada, não possuía mais sua agudez. Como ele foi capaz de modificar aquele dente, que agora mais parecia o dente de uma Alpaca, não se sabia. Aposto que nem ele tinha uma resposta coerente para isso.Os olhos eram azuis e ainda chamavam a atenção. Não os merecia. Eram olhos bonitos demais para alguém tão derrotado. Parecia um esqueleto, cabeludo e nojentamente ambulante. Olhar para aquele Cara causava engulhos.

Um brilho apareceu ao longo da rua. Um brilho distante. Logo o brilho dividiu-se em dois e finalmente o ônibus encostou, deixando a visão do Cara embassada por causa das luzes dos faróis. O Cara ficou olhando para as luzes como se fosse um inseto hipnotizado. Agora esfregava os olhos antes de embarcar. O motorista olhava para frente enquanto esperava o calhao desanuviar a vista. O Cara entrou e o ônibus seguiu.

O Cara olhou para os passageiros e os passageiros olharam para o Cara. Depois todos desviaram os olhares como se ninguém existisse para ninguém, mas continuavam se olhando pelo canto dos olhos. O Cara mantinha-se de pé como um João-Bobo que recusa a cair por ter areia em sua base e apenas ar em cima. Tirou uma cartela de cigarros do bolso traseiro da calça. Estava toda amassada. Abriu e pegou um cigarro quebrado ao meio. Arrumou o canudo fedido e o colocou entre seus lábios horrivelmente trincados.

Pegou uma caixa de fósforos esmagada e parecia ser incrível o fato de que ainda continha fósforos em seu interior. Retirou um e acendeu o cigarro. Puxou a fumaça para seus pulmões fazendo uma careta que o deixava impossivelmente mais feio, parecia sentir dor em seu raquítico peito enquanto tragava a fumaça. Soltou a fumaça na cara do cobrador que não reclamou, aliás, ele sequer notou.

O cobrador era um garoto magricelo e moreno. Um pequeno africano com cor de chocolate.Tinha a cabeça raspada. O uniforme todo torto, a gravata frouxa e estava em aparente estado catatônico. Tinha o olhar perdido, quem sabe, vislumbrando o barco do inferno a singrar pelo rio de fogo do Diabo.
O Cara saiu de perto do cobrador e sentou-se em um banco no meio do ônibus. Deu uma olhada em volta. Lá no fundo havia um homem gordo de bigode. Um bigode feio e velho, com fios cinzentos. O gordo mantinha os olhos fechados e a boca ficava meio aberta.

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