74- Os 1% Parte 2

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Becky iria se encontrar com o tão estimado doutor. Mal conseguia conter suas risadinhas. O grande Sr. Doutor a faria ficar bonita. Todo mundo o acha o melhor, então deve ser.

Ela sorria de orelha à orelha. Saltitou para fora da sua cama de dossel, e sentou-se em frente a penteadeira. O espelho era rosa com luzes em volta. Fotos dela estavam penduradas pelo quarto como um enorme livro de recordações. No espelho, olhou no fundo dos seus próprios olhos. Por alguns segundos ela viu a mulher de quarenta anos no reflexo. "SAI DAQUI!", gritou, jogando a escova de cabelos rosa no espelho. A imagem havia sumido.

Se aprontou. Arrumou seus longos cabelos loiros em dois rabos-de-cavalo baixos. Colocou sua calcinha da Minnie Mouse e seu sutiã infantil. O sutiã apertava demais no canto do seu peito, provocando erupções vermelhas na pele ao longo da caixa torácica. Mas as florzinhas amarelas na estampa eram tão lindas. Becky pegou seu vestido rosa mais fofinho e suas meias com babado. Tinha que estar com a melhor aparência possível para ir ver o doutor.

Saiu de seu quarto. "Mamãe! Papai! Estou pronta!" Aqueles bobinhos estão sempre dormindo.

"Rebecca?" A voz baixa vinha de um dos quartos adjacentes. Becky riu e abriu a porta com violência. Barry estava na cama, amarrado como sempre. Ele tinha se cagado durante a noite e o quarto fedia horrivelmente. Barry era um bebezão. Ele ainda molhava a cama!

"Rebecca, por favor, preciso de ajuda."

"Rebecca, por favor," ela respondeu, ironicamente. "Você é um perdedor, Barry."

"Estou falando sério. Acho que meu olho está infeccionado. Se você pudesse ligar para-"

"Não posso ligar para ninguém, bobão! Só tenho nove anos!" Ela riu dele novamente.

Lágrimas corriam pelo rosto dele. "Rebecca, por favor, fale comigo normalmente."

O jeito suave dela mudou repentinamente para obscuro. Rebecca estava de volta. "Isso é o meu normal, Barry. E depois de hoje, Dr. Allship fará minha voz ficar perfeita." Rebecca queria sair do quarto tão rapidamente quanto tinha entrado. Seu rosto rapidamente mudou para a menininha despreocupada. "Aliás, bobão, você não pode sair! Mamãe e papai disseram!"

Barry continuou a chorar. Era um bebezão mesmo.

"Vou chamar a Mamãe para te limpar, perdedor." Foi até a cama dele. "Vou pegar o cartão de crédito, também. Quer dizer, você nem pode usar, mesmo!" Riu mais alto enquanto a expressão dele murchava. Ela o zombou novamente e enfiou a unha pintada de rosa dentro da cavidade ocular dele. Barry gritou. Becky não parava de gargalhar. "Você está espalhando seu sangue em mim! Cagão!"

Mamãe desceu rapidamente pelas escadas. "Sr. Shore?"

Becky ficou sombria novamente e fuzilou-a com os olhos. Rebecca não gostava quando a empregada esquecia o seu lugar. "Mamãe, o que você disse?" Ela empurrou ainda mais a unha. Mamãe pigarreou. "Me perdoe, Rebecca. Quero dizer, Becky. Só estava aqui para ver se o seu...hm..."

"Irmão," Rebecca proferiu, sem rodeios.

"Sim, claro. Estava aqui para ver se seu irmão precisava de mim."

Becky tirou a unha e Barry continuou a gemer. "Ele precisa de uma troca de fraldas porque é um bebezão perdedor." De repente se alegrou novamente. "Vou lavar minhas mãos e então papai pode me levar ao doutor!"

Ela passou por Mamãe e foi para o banheiro. Lavou suas mãos, fazendo careta para a coisa vermelha que escorria de suas lindas unhas. Olhou para cima e teve um vislumbre da mulher de 40 anos no espelho. "SAI DAQUI!", gritou. A imagem desapareceu.

Papai a levou ao doutor de carro. Ele não falava muito, mas tudo bem. No carro, Rebecca divagava sobre como estava animada para as aulas e como sua nova voz seria linda. Quando chegaram no consultório, ela beijou Papai na bochecha. Ele só recuou um pouquinho desta vez.

Ela marchou até o consultório, piscando por causa da brancura absoluta do lugar. Duas mulheres estavam sentada atrás do balcão. Eram parecidas.

"Preciso falar com o doutor," falou na sua melhor voz cantarolada.

"Você não em uma consulta marcada." A mulher trocou olhares com Becky. Seu tom era doce porém vago.

"Não preciso de hora marcada. Quero falar com o doutor." Becky podia sentir as trevas tomando conta novamente. Rebecca observou a mulher em sua frente. Elas achavam que eram muito melhores que ela.

"Senhora, eu-"

"Não sou senhora nenhuma. Sou uma menininha." Rebecca fechou o punho com força, mas logo soltou. Becky estava de volta com seu sorriso encantador.

As mulheres da recepção se entreolharam. Sorriram vagarosamente em conjunto. Uma se voltou para Becky. "Chamarei o Dr. Allship imediatamente. E qual seria o seu nome, menininha?" A palavra menininha escorregou da ponta de sua língua como leite estragado.

"Becky."

Becky só teve que esperar meia hora para consultar com o doutor. Ela foi conduzida até a sala de examinação. Achou que ele seria mais alto e mais bonito. Mas era apenas um homenzinho com uma escrivaninha gigante. Ele não sorria.

"O que posso fazer por você?"

Becky sentiu Rebecca sair das trevas. Rebecca deu um suspiro longo. "Preciso que você faça minha voz parecer... mais jovem".

"E para que isso?" O doutor não tinha emoção nenhuma em sua voz. Olhou brevemente de Rebecca para seus papeis em cima da mesa, mas nada escreveu.

Becky tentou responder, mas Rebecca a impediu. "Tive uma infância feliz, doutor. Meus pais me amavam. Me davam tudo. Eles... morreram quando eu era nova."

"Como eles morreram?" Dr. Allship parecia genuinamente interessado.

Becky se antecipou, " Um acidente! Eu não fiz por querer! Eu estava brincando com a arma do Papai e-"

"Basta!" Rebecca colocou a mão sobre a própria garganta. "Depois que morreram as coisas não eram mais tão felizes. Quero voltar a ter momentos felizes." Ela puxou o cartão de crédito de Barry. "Estou disposta a pagar seja lá o quanto você quiser. Meu marido tem um fundo de garantia sem limites."

Dr. Allship pegou o cartão das mãos dela, lendo o nome lentamente. "E que idade você gostaria que sua voz se parecesse, Sra. Shore?"

"Becky." Rebecca sumiu e deu espaço para a animada menina. "Tenho nove anos. Quero soar como nove anos."

Dr. Allship sorriu pela primeira vez. "Certo, Becky. Basta uma simples raspagem de cordas vocais. Seu marido estará disponivel para tomar conta de você durante a recuperação?"

Becky riu. "É para isso que eu pago minha Mamãe e meu Papai."

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