PRIMEIRA PARTE

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PRIMEIRA PARTE

O CASO DOS DENUNCIANTES INVEJOSOS

Você foi triunfalmente eleito como Ministro de Justiça de seu país, uma nação de aproximadamente vinte milhões de habitantes. Já no início de seu mandato, você enfrentou um grave problema, que será descrito em seguida. Antes de tudo deve ser apresentado o contexto no qual surgiu esse problema.

Seu país teve o privilégio de viver, por muitas décadas, sob um regime pacífico, constitucional e democrático. Infelizmente, há algum tempo começaram os problemas. A vida normal foi interrompida por uma profunda crise econômica e por graves conflitos entre grupos que seguiam diferentes linhas econômicas, políticas e religiosas. O salvador da pátria apareceu na figura do chefe de um partido político ou sociedade que se autodenominava "Camisas-Púrpuras".

Em uma disputa eleitoral marcada por sérios conflitos e irregularidades, esse Chefe foi eleito Presidente da República e seu partido obteve a maioria das vagas na Assembléia Nacional. O sucesso eleitoral desse partido ocorreu em razão de uma campanha com promessas insensatas e falsificações engenhosas e com a intimidação física causada por patrulhas noturnas de Camisas-Púrpuras, motivo pelo qual muitos adversários do partido não tiveram coragem de votar.

Quando os Camisas-Púrpuras chegaram ao poder não tomaram nenhuma providência no sentido de revogar a Constituição do país ou de reformar algumas partes damesma. Deixaram igualmente intactos o Código Civil, o Código Penal e os códigos processuais. Tampouco foram tomadas providências oficiais para demitir funcionários públicos ou afastar juízes de seus cargos. Continuaram as eleições periódicas e os votos eram contados de forma aparentemente honesta. Apesar disso, o país vivia sob um regime de terror.

Juízes que contrariavam os desejos do governo eram agredidos e assassinados. Ao Código Penal foram dadas interpretações perniciosas para permitir o encarceramento dos adversários políticos. Foram estabelecidos regulamentos secretos, conhecidos somente entre os altos escalões da hierarquia partidária. Foram também editadas leis que criminalizavam retroativamente determinados comportamentos plenamente legais.

O governo não respeitava as obrigações impostas pela Constituição, pelas antigas leis ou mesmo por suas próprias leis. Todos os partidos da oposição foram desmantelados. Milhares de opositores políticos foram assassinados, seja nas prisões, seja em ondas derepressão noturna. Foi concedida anistia geral a favor de todos os acusados "que cometeram atos para a defesa da pátria contra a subversão". Essa anistia permitiu a libertação de todos ospresos que eram membros do partido dos Camisas-Púrpuras. Entre os beneficiários da anistia não estava ninguém que não fosse membro deste partido.

Os Camisas-Púrpuras adotaram uma política que permitia flexibilidade na ação. Algumas vezes agiam como partido político "nas ruas". Outras vezes atuavam por meio dos aparelhos estatais que eles mesmos controlavam. A escolha do método de atuação era questão de pura conveniência. Quando, por exemplo, o restrito grupo da diretoria do partido decidiu aniquilar os ex-socialistas republicanos, membros de um partido que fez uma última e desesperada tentativa de resistência contra o novo regime, criou-se uma controvérsia sobre o método que seria mais indicado para confiscar as propriedades desse partido.

Uma facção dos Camisas-Púrpuras, que parecia estar sob a influência de concepções pré-revolucionárias, queria realizar este confisco por meio de um regulamento que declarasse os bens do partido confiscados por ter este cometido ações criminosas.

Outros queriam alcançar o mesmo resultado, obrigando os proprietários a doarem seus bens sob a ameaça de armas. Essa facção criticou a solução do regulamento, dizendo que provocaria comentários desfavoráveis ao partido. O Chefe optou pela solução da ação diretado partido, acompanhada por um regulamento secreto que ratificou sua legalidade, confirmando os títulos de propriedade obtidos pelo emprego de violência física.

Agora os Camisas-Púrpuras foram derrotados e se estabeleceu de novo um governo democrático e constitucional. O antigo regime deixou, porém, alguns problemas particularmente espinhosos. A responsabilidade de resolvê-los recai sobre você e seus colegasdo governo. Um desses problemas é conhecido como caso dos Denunciantes Invejosos.

Durante o regime dos Camisas-Púrpuras, muitíssimas pessoas, movidas por inveja, denunciaram seus inimigos pessoais ao partido ou a autoridades governamentais. Entre as atividades que foram objeto de denúncias estava a crítica ao governo formulada em discussões particulares, a escuta de estações de rádio estrangeiras, o relacionamento com notórios vândalos e baderneiros, o armazenamento de saquinhos de ovos em pó em quantidade maior do que a autorizada, a omissão de informar a perda de documentos de identidade no prazo de cinco dias etc.

Dada a situação do Poder Judiciário nesse período, qualquer uma dessas infrações, se fosse comprovada, poderia levar à aplicação da pena de morte. Em alguns casos, as condenações à pena capital foram autorizadas por regulamentos de "emergência". Em outros casos, foram impostas sem tais regulamentos, por meio da decisão de juízes regularmente nomeados em seus cargos.

Após a derrota dos Camisas-Púrpuras, formou-se um movimento de opinião que exigiu a punição dos Denunciantes Invejosos. O governo interino, que antecedeu o seu, contemporizou a decisão. No entanto, o assunto tornou-se um problema político explosivo e a decisão não pode ser mais postergada.

Em decorrência disso, sua primeira iniciativa como Ministro de Justiça foi estudar o problema. Você pediu a cinco deputados para refletirem sobre o caso e apresentarem suas opiniões em uma conferência. Nessa conferência, os deputados tomaram sucessivamente a palavra, fazendo as seguintes ponderações.

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