OPINIÃO DA PROFA. STING
Escutei meus colegas e li os pareceres dos deputados. Todos dissertaram com erudição e paixão sobre o problema, analisando vários aspectos e desejando propor a melhor solução. Confesso que esses pareceres me causaram um profundo mal estar.
Os deputados e os meus colegas que tomaram a palavra são homens. O mesmo vale para o Ministro, para o Chefe dos Camisas-Púrpuras e para todos os dirigentes de sua quadrilha que se tomou governo. Sabemos também que quase todos os Denunciantes Invejosos eram homens.
Onde estão as mulheres? Nas discussões sobre os Denunciantes Invejosos encontrei uma única referência à mulher. Trata-se daquela mulher casada, cujo admirador ou amante denunciou o marido para que este fosse preso, condenado e executado e a mulher caísse em seus braços!
Muito bem! Quando dois homens querem uma mulher eles entram na disputa. Quem sai vencedor ganha a mulher-objeto como presente. Diante desse caso, os senhores deputados e professores tiveram uma única preocupação. Saber se o suposto amante deve ou não ser punido. Em outras palavras, a pergunta foi se é legal e justo aproveitar-se de uma lei para conquistar uma mulher causando a morte de seu marido.
Sabemos que as nossas leis escritas não discriminam mais as mulheres. Graças às lutas das próprias mulheres o direito deixou de privilegiar abertamente os homens. Utiliza uma linguagem neutra, estabelecendo os mesmos direitos e obrigações para todos. Mas, na realidade, o direito continua exprimindo uma ideologia machista e defende os interesses dos homens que querem sujeitar as mulheres ao seu poder. O direito funciona como instrumento do poder masculino, como instrumento do patriarcado.
Esse direito masculino permite aos homens terem acesso ao trabalho e ao corpo das mulheres. A mulher ganha menos do que o homem no mercado de trabalho, mesmo quando executa as mesmas tarefas. A mulher trabalha de graça em casa, arruma, prepara as refeições, cuida dos filhos, do marido, dos pais e sogros. O direito não se opõe a essas situações escandalosas e, freqüentemente, trata a mulher como objeto que pertence ao homem.
O espaço privado, onde vive a família, é protegido como "asilo inviolável". O povo diz que nas brigas entre homem e mulher ninguém deve se meter. O mesmo pensam a polícia e o Poder Judiciário que deixam as mulheres abandonadas à violência dos homens. O homem pode estuprar, maltratar e humilhar sua companheira, como se isso fosse seu direito. Quase nunca será punido, porque o direito protege a vida privada. Mesmo nos países onde as feministas conseguiram reformar o direito no sentido da proteção da mulher, os aplicadores não fazem quase nada para conter e punir a violência masculina.
O homem quer, ao mesmo tempo, proteger sua propriedade. Quando alguém, na rua, estupra ou maltrata "sua" mulher, a lei protege sua propriedade "particular" e pune o agressor, que utilizou a mulher-objeto sem o acordo do "proprietário".
Alguém pensou que mais de 95% dos presos são do sexo masculino? Isso acontece porque a mulher fica confinada em casa, submetida ao controle e às punições dos homens. Quando se rebela é considerada "louca", sendo enviada aos psiquiatras. Mas não devemos achar isso estranho. O direito é criado por homens para garantir seus direitos e para punir aqueles que agridem a propriedade de outros.
Os senhores deputados e professores parecem ter uma idéia muito nobre sobre o direito e querem encontrar a solução "justa" no caso dos Denunciantes. Mas seus pareceres são formulados do ponto de vista masculino. Vejamos o que acontece no caso do suposto amante, que foi citado como o exemplo mais repugnante de inveja assassina. Se este Denunciante ficar impune, os homens se rebelarão porque o direito não protege o marido como legítimo proprietário da esposa. Ninguém perguntou o que essa mulher queria, nem se ela foi maltratada pelo marido porque tinha um admirador. Aquilo que incomoda foi a ousadia de um homem que usou os tribunais para satisfazer suas paixões "ilícitas", como disse o quarto deputado. Se o Denunciante for punido, a ordem social será restabelecida.
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O Caso Dos Denunciantes Invejosos
Non-FictionO texto permite retornar a antiga polêmica sobre a validade e a moralidade do direito. O que acontece quando uma norma jurídica se revela injusta? O que deve fazer o juiz quando a aplicação das leis leva a resultados inaceitáveis? Para responder est...