TERCEIRO DEPUTADO

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TERCEIRO DEPUTADO

Considero muito suspeitos os raciocínios que se baseiam em dilemas. Não é adequado admitir que o regime dos Camisas- Púrpuras estava completamente fora da lei, nem considerar que todos os seus atos merecem ser classificados como atos de um governo respeitoso da lei. Sem dúvida alguma, os meus dois colegas apresentaram argumentos poderosos contra essas duas posições extremas, demonstrando que ambas levam à mesma conclusão absurda, ou seja, a uma conclusão moral e politicamente inaceitável.

Quem reflete sobre o assunto de forma não emocional percebe claramente que durante o regime dos Camisas-Púrpuras não tínhamos uma "guerra de todos contra todos". Abaixo da superfície política continuavam a ser realizados muitos atos que fazem parte da vida humana normal: celebravam-se casamentos, bens eram vendidos, redigiam-se e executavam-se testamentos.

Essa vida normal enfrentava os habituais contratempos: acidentes de automóvel, falências, testamentos nulos, panfletos difamatórios publicados na imprensa. Uma grande parte da vida normal e dos contratempos, igualmente normais, não foi afetada pela ideologiados Camisas-Púrpuras. Os problemas jurídicos relacionados com esses assuntos eram tratados pelos tribunais daquele período de forma muito semelhante ao período anterior e ao atual. Se quiséssemos declarar como privado de fundamento legal e nulo tudo aquilo que ocorreu sob o regime dos Camisas-Púrpuras, criaríamos um caos intolerável.

Por outro lado, é impossível sustentar que os assassinatos cometidos nas ruas pelos membros desse partido, sob as ordens de seu chefe, eram atos legais, simplesmente porque o partido conseguiu controlar plenamente o governo e seu chefe tornou-se Presidente da República.

Se devemos condenar os atos criminosos do partido e de seus membros, seria absurdo legitimar todos os atos avalizados pela autoridade do governo, já que esse governo identificou-se completamente com o partido dos Camisas- Púrpuras. Por essa razão, devemos fazer algumas distinções, como acontece na maioria dos problemas sociais. Devemos intervir nos casos em que a filosofia dos Camisas-Púrpuras penetrou na administração da justiça, afastando-a de suas finalidades e procedimentos habituais.

Em minha opinião, devemos considerar como uma das perversões da justiça o caso daquele homem que se enamorou de uma mulher casada e provocou a morte do cônjuge, denunciando-o por um delito totalmente trivial, como o fato de não informar as autoridades da perda de seus documentos de identidade dentro do prazo de cinco dias.

Esse denunciante cometeu homicídio, segundo a definição do Código Penal que continuava em vigor no momento da denúncia, já que os Camisas-Púrpuras não procederam àsua revogação. Esse homem causou a morte de uma pessoa que impedia a satisfação de suapaixão ilícita. Utilizou os tribunais como instrumento para realizar suas intenções criminosas,sabendo que os tribunais satisfaziam com presteza qualquer ordem política que os Camisas-Púrpuras consideravam adequada em determinado momento.

Existem outros casos igualmente claros. Mas devo admitir que também há casos muito menos claros. Não podemos, por exemplo, avaliar com facilidade o caso daqueles curiosos que observavam a vida dos outros e denunciavam às autoridades qualquer coisa quelhes parecia suspeita. Alguns desses denunciantes não atuavam com a finalidade de se livrardas pessoas denunciadas, mas com o desejo de prestar serviço e agradar o partido, de diluir suspeita contra eles (algumas vezes infundadas) ou por pura e simples subserviência ao governo.

Não posso opinar sobre o tratamento de tais casos nem fazer recomendações a esse respeito. Seja como for, a existência de casos complicados e de difícil tratamento não deve servir como pretexto para impedir uma atuação imediata em casos plenamente claros, já que ambas as categorias são diferentes e inconfundíveis.

O Caso Dos Denunciantes InvejososOnde histórias criam vida. Descubra agora