OPINIÃO DA PROFA. BERNADOTTI

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OPINIÃO DA PROFA. BERNADOTTI

Os colegas Goldenage e Satene repetiram aquilo que desde décadas sustentam em dou tas publicações e brilhantes conferências. Peço vênia para expressar minha plena discordância. Os colegas dizem que somos membros de uma comunidade política, tendo valores comuns nos quais devem se fundamentar as leis e as futuras decisões do Judiciário. Dessa forma, adotam a opinião do jusnaturalista francês Michel Villey, segundo o qual o aplicador do direito não deve cumprir as ordens do Estado, mas interpretar os textos de forma que permita encontrar a solução "justa".

Para falar em "justo" devemos ter valores aceitos por todos. Mas quais foram os valores comuns a brancos e negros nas sociedades escravocratas do século XIX? Onde está a comunidade de valores e interesses entre os pobres e os ricos nos países do terceiro mundo, onde, ao lado de mansões luxuosas, encontramos favelas que abrigam centenas de milhares de desesperados? Onde está a comunidade entre os homens e as mulheres, uma vez que ô direito funciona como instrumento de sujeição do gênero feminino, como bem indicou a colega Sting?

Os juristas raramente tratam desse problema e, às vezes, querem ocultá-lo. Um exemplo deu o professor Satene. Fala do justo e do correto, esquecendo as enormes diferenças de mentalidade e interesses entre pessoas e grupos. Como se isso não bastasse, o referido professor fez uma crítica superficial e equivocada à professora Sting, que mostrou o caráter machista do direito, ou seja, sua parcialidade. O professor Satene não quer admitir que o sistema jurídico, quase sempre, toma o partido dos mais poderosos: dos brancos, dos ricos, dos homens.

Na realidade, não temos nenhuma comunidade de valores e interesses. Temos exploração, violência, discriminação e opressão. Qual é o papel do direito na sociedade? Os meus colegas moralistas fecham os olhos diante da realidade ou consideram que os poderosos e opressores violam o "verdadeiro" direito. Isso não passa de um sonho. Na realidade, os opressores e exploradores simplesmente aplicam o direito em vigor. Se o direito permite pagar um salário de fome, por que deve ser punido aquele que paga esse salário?

Por que então castigar pessoas invejosas que, afinal de contas, denunciaram fatos reais e por que perseguir os juízes que puniram os infratores, seguindo o direito em vigor? Eles simplesmente aplicaram o direito, tal como faz qualquer respeitada família que paga um salário mínimo à sua empregada doméstica ou especula na Bolsa de Valores.

Foi dito que os Denunciantes Invejosos instrumentalizaram o direito para se vingar de inimigos pessoais. O professor Satene baseou-se nisso para apresentá-los como autores de homicídios e seqüestros, adotando teorias de doutrinadores conservadores como Claus Roxin. Quem utiliza esse argumento esquece que o nosso direito é um direito formal. Avalia aquilo que a pessoa faz e não examina o porquê faz. Quem pensou em matar seu concorrente e não o fez porque tinha medo da pena pode ser um indivíduo moralmente desprezível. Não deixa de ser um cidadão respeitoso da lei, já que o direito simplesmente pune o homicídio, sem se interessar pelos desejos e os pensamentos das pessoas.

Isso é uma característica de todos os ordenamentos jurídicos modernos que se fundamentam na separação entre o direito e a moral. O direito moderno não exige que a pessoa seja um "bom cristão" ou um "bom pai de família", como acontecia no direito medieval que pouco distinguia entre as regras jurídicas, as obrigações morais e os mandamentos religiosos. Hoje o Estado avalia as ações e omissões das pessoas exclusivamente com base no direito em vigor e não leva em consideração os méritos e deméritos morais de cada um.

Os Denunciantes Invejosos levaram ao conhecimento das autoridades crimes tipificados pelo direito em vigor. Não interessa juridicamente se isso foi feito por motivos "baixos", como a vingança, ou por opção política, porque o Denunciante era camiso-purpurista e queria combater os opositores do regime. As intenções que levam alguém a fazer um ato legal não podem ser punidas com base no direito moderno que, como já afirmei, é formal e estranho a juízos de valor de cunho moral.

O Caso Dos Denunciantes InvejososOnde histórias criam vida. Descubra agora