OPINIÃO DO PROF. WENDELIN

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  OPINIÃO DO PROF. WENDELIN  

Escutando o discurso do colega Goldenage, pensei que me encontrava em uma das faculdades medievais descritas pelo historiador Jacques Le Goff. Nelas os professores organizavam as temíveis disputationes sobre problemas jurídicos, debatendo com paixão perante um público de professores, bacharéis, alunos e curiosos. Por meio da retórica e da habilidade no manuseio dos argumentos, os debatedores tentavam derrotar os adversários e convencer o auditório. Naquela época os juristas se sentiam donos do direito e da verdade; resolviam as questões polêmicas pensando que existia uma solução certa, contida nos sagrados textos jurídicos e religiosos.

O colega Goldenage, apoiando-se em autores contemporâneos, como Paolo Grossi na Itália, que sentem saudades do poder do jurista medieval, sustenta que existe o justo e o injusto. Para reconhecê-los bastaria escutar a voz da consciência e, principalmente, confiar nos pareceres do jurista sábio que punirá os injustos e protegerá as vítimas.

O colega omitiu a parte mais interessante da história. Os juristas medievais, que se consideravam apóstolos da justiça e se sentiam todo-poderosos, foram, com toda a razão, acusados de bárbaros e inumanos pelos autores do iluminismo. Na realidade, os juristas medievais eram fiéis servidores de reis autoritários e de latifundiários vorazes, que oprimiam e exploravam o povo, mantido na superstição e na ignorância. 

O iluminismo destruiu o mito do jurista como anjo da justiça. O problema é que o iluminismo difundiu um novo mito. Aquele que fala do legislador iluminado, escolhido pelo próprio povo para fazer leis racionais, simples e claras, que todos possam entender e aplicar automaticamente. Santa ilusão que encontramos, por exemplo, no opúsculo Dos delitos e das penas de Cesare Beccaria, publicado em 1764 e até hoje estudado nas faculdades de direito.

O século XX abalou essas certezas. As ilusões da justiça e da verdade que não foram destruídas pelas guerras e pelas ditaduras, acabaram sendo desmontadas pelas reflexões de grandes filósofos. Estes comprovaram que não existem critérios para distinguir o verdadeiro do falso. A nossa linguagem é parecida com a areia movediça do deserto. Os significados das palavras são instáveis e múltiplos e dependem do entendimento das pessoas que se comunicam em determinado momento.

Tudo é relativo e mutável. Alguns pensam que o significado dado às palavras depende do interesse dos poderosos, que denominam "verdadeiro" aquilo que lhes convém. Outros sustentam que tudo depende do aleatório, do acaso. Outros dizem, finalmente, que o entendimento das palavras é influenciado pelo papel social que a pessoa exerce em determinada situação.

Não fui convidado para analisar as correntes de pensamento que sustentam a incerteza e a mutabilidade da comunicação humana. Considero, porém, que a consciência desses dados fundamentais tira a esperança de que alguém poderá encontrar um dia a verdade, separar o justo do injusto e fixar o sentido das normas jurídicas.

A única verdade é que não sabemos nada; não existem certezas. Mas o ordenamento jurídico não pode viver com a contínua incerteza. O Poder Judiciário deve resolver os conflitos com determinação e presteza para pacificar a sociedade. Mesmo se os filósofos nunca encontrarem uma resposta satisfatória à pergunta "o que é vida", os tribunais devem decidir se o aborto provocado por uma mulher deve ou não ser punido. Não podem alegar que não sabem quando começa a vida humana ou que não têm certeza se o aborto em questão foi natural ou provocado.

Por tal motivo, o ordenamento jurídico confiou aos tribunais o poder de decisão. Mesmo quando todos acham que determinada decisão foi errada, esta não perde sua validade: põe um fim ao debate e corta a controvérsia. Torna-se "coisa julgada". A decisão do juiz deve ser considerada como verdade: res judicata pro veritate accipitur, afirmava o jurisconsulto Ulpiano, já lembrado pelo colega Goldenage.

O Caso Dos Denunciantes InvejososOnde histórias criam vida. Descubra agora