OPINIÃO DO PROF. SATENE

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OPINIÃO DO PROF. SATENE

A professora Sting apresentou um violento requisitório contra o sexo masculino. Seduzida pela própria retórica, esqueceu de se referir a um episódio que é crucial para tratar com serenidade, ponderação e coerência o problema dos Denunciantes Invejosos e que também oferece um importante argumento a favor da solução que gostaria de propor.

Sabemos que, muito antes da ditadura dos Camisas-Púrpuras em nosso país, a Alemanha vivenciou a barbaridade do período nazista. Após a restauração da democracia naquele país, um tribunal enfrentou o caso da esposa Denunciante. Uma mulher que tinha um relacionamento extraconjugal decidiu se livrar do marido denunciando-o por ter criticado, em conversas particulares, o governo de Hitler. O marido foi condenado à morte e após um indulto parcial foi mandado para a guerra, sendo incorporado em uma unidade militar na qual serviam criminosos em condições particularmente duras.

Essa mulher utilizou-se do direito para se livrar do marido, ou seja, fez exatamente aquilo que a professora Sting considera como típico dos homens! Não vou discutir a fundamentação da análise feminista do direito. Interessa aqui avaliar a solução dada ao caso da esposa Denunciante.

O tribunal alemão que julgou o caso após a queda do regime nazista decidiu que os juízes que condenaram o marido à pena de morte não mereciam punição, por terem simplesmente  aplicado o direito em vigor. Ao contrário, a esposa deveria ser condenada por ter causado a detenção ilegal de seu cônjuge. O tribunal considerou que essa denunciação contrariava a lei moral e o sentimento de justiça de qualquer ser humano decente.

Concordo com essa última posição. Não interessa se o autor da denunciação é homem ou mulher, idoso ou jovem, branco ou negro. Só interessa saber se seu comportamento constitui uma violação do direito.

Eis o verdadeiro problema. Não podemos decidir o que é "violação do direito" sem saber antes o que é o direito. Todos usamos esse termo, mas cada um entende algo diferente. A maioria dos doutrinadores entende que direito é o conjunto de normas colocadas em vigor pelo legislador. Outros consideram que o direito está contido nas decisões dos tribunais. Outros dizem que é direito aquilo que contribui para o progresso social e para a felicidade da maioria. Não faltam também os cínicos que dizem que o direito é simplesmente a violência e a ganância dos poderosos transformada em lei. Há, finalmente, juristas que vêem o direito como manifestação de mandamentos eternos e imutáveis estabelecidos por Deus ou pela razão humana.

Penso que todas essas definições são errôneas. Nenhuma delas exprime aquilo que todos nós consideramos, no nosso dia-a-dia, como direito realmente válido. Seguindo os ensinamentos do professor Ronald Dworkin, afirmo que o direito deve ser definido como resultado de sucessivas interpretações dos princípios que fundamentam a vida social e são aceitos pela comunidade.

O primeiro passo da interpretação é dado pelo legislador que cria as normas jurídicas. Essas normas não são produto de uma "vontade". O legislador não faz o que ele quer, como pensam os positivistas, adotando uma posição totalmente ingênua. As leis decorrem da interpretação dos princípios fundamentais que norteiam a sociedade. Quando a Constituição proclama a soberania do povo, o respeito à dignidade humana e a liberdade, isso não deve ser considerado como uma simples vontade do poder constituinte. Os constituintes simplesmente exprimem e adotam os princípios e os valores da democracia e da dignidade da pessoa humana que todos nós aceitamos. Por isso afirmo que as normas jurídicas decorrem de princípios e de convicções políticas fundamentais, que o legislador interpreta e fixa em suas normas.

O segundo passo da interpretação é dado pelos tribunais que aplicam as normas estabelecidas pelo legislador. Essas normas são abstratas e não oferecem automaticamente uma solução. Mas o juiz não é um tirano que pode decidir a seu bel-prazer, como parecem dizer os realistas, adotando uma posição cínica.

O Caso Dos Denunciantes InvejososOnde histórias criam vida. Descubra agora