SEGUNDO DEPUTADO

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SEGUNDO DEPUTADO

Curiosamente chego à mesma conclusão de meu colega, indo pelo caminho exatamente oposto. Na minha opinião, é absurdo considerar o regime dos Camisas-Púrpuras como governo legal. Para que um sistema jurídico possa existir não é suficiente que os policiais continuem patrulhando nas ruas e vistam uniformes, nem que a Constituição e as leis permaneçam formalmente em vigor e bem guardadas nos armários.

Um sistema legal pressupõe a existência de leis que sejam conhecidas ou pelo menos possam ser conhecidas pelos seus destinatários. Pressupõe, também, uma certa uniformidade na atuação: em casos semelhantes deve ser dado um tratamento semelhante. Pressupõe, finalmente, a ausência de poderes atuando fora da lei, tal como o Partido dos Camisas-Púrpuras, que estava acima do governo e podia, a qualquer momento, interferir na administração da justiça, particularmente quando esta não funcionava de acordo com os desígnios e os caprichos desse poder.

Todos esses pressupostos fazem parte do conceito do ordenamento jurídico e não têm nada a ver com as ideologias políticas e econômicas. Na minha opinião, quando os Camisas- Púrpuras conquistaram o poder, deixou de existir o direito, independentemente da definição que será dada a esse termo. Durante esse regime, ocorreu, na realidade, uma suspensão do Estado de Direito.

Em vez de ter um governo que respeita as leis, tivemos uma guerra de todos contra todos, feita atrás de portas fechadas, em parques obscuros, em intrigas de palácio, em
conspirações nos pátios das prisões.

Os atos dos assim chamados Denunciantes Invejosos nada mais eram do que uma fase dessa guerra. Se julgássemos e condenássemos tais atos como criminosos, isso seria tão inadequado quanto a tentativa de avaliar juridicamente a luta pela sobrevivência na selva ou no oceano.

Devemos tentar deixar atrás de nós, tal como um pesadelo, esse capítulo da nossa história tão obscuro e fora do império da lei. Se continuarmos a agitar os ódios desse período, seremos contaminados pelo espírito destrutivo e pelo potencial infeccioso de seus miasmas.

Por isso concordo plenamente com meu colega na sugestão de deixar o passado no passado. Não façamos nada em relação aos chamados Denunciantes Invejosos. Seus atos não eram nem legais nem ilegais, já que eles não viviam em um Estado de Direito, e sim em um regime de anarquia e de terror.

O Caso Dos Denunciantes InvejososOnde histórias criam vida. Descubra agora