OPINIÃO DO PROF. GOLDENAGE
Não posso esconder uma certa mágoa pelo fato de o senhor Ministro ter convidado exclusivamente personalidades políticas na primeira conferência sobre o problema dos Denunciantes Invejosos, apesar de ser esse um problema exclusivamente jurídico.
Sabemos que as pessoas não têm uma boa impressão sobre os juristas. Na Idade Média, o povo alemão dizia "advogados, cristãos malvados" (Juristen, böse Christen) e o próprio Lutero repetiu muitas vezes essa frase. Em nossos dias, devemos ouvir críticas duras e até piadas sobre a moralidade e a capacidade dos juízes e dos advogados.
Tenho, porém, a certeza de que o senhor Ministro não excluiu os profissionais do direito por preconceito ou antipatia. A decisão inicial de consultar os políticos foi ditada por considerações práticas. Nós, juristas, temos a tarefa de estudar e aplicar o direito, mas não o criamos. As normas jurídicas são estabelecidas por aqueles que exercem o poder político.
Isso é realmente estranho. Confiamos a construção de casas a arquitetos e engenheiros, pedimos ao contador para fazer a declaração do imposto de renda e quando há vazamentos chamamos o encanador. Por que as leis são feitas pelos políticos, ou seja, por pessoas sem preparação técnica para essa tarefa? Alguém pediria conselhos médicos a um comerciante pelo simples fato de este ter sido eleito deputado federal? Por que o mesmo comerciante deve ser considerado idôneo para a elaboração das leis, podendo inclusive opinar, como foi o caso dos cinco deputados, sobre o delicado problema jurídico dos Denunciantes Invejosos?
Essa situação é o resultado histórico das grandes revoluções ocorridas nos séculos XVIII e XIX, quando vários povos do mundo, liderados pela classe burguesa, decidiram abolir o monopólio jurídico dos juízes e advogados, considerando que o direito deveria ser criado pelo próprio povo, por meio de seus representantes.
Assim sendo, os juristas perderam a oportunidade de utilizar seus conhecimentos para elaborar as regras que organizam o convívio social. As opiniões e a experiência dos professores e dos operadores do direito parecem não valer mais nada. Devemos nos alinhar à vontade do legislador e aplicá-la sem questionamento.
A última batalha foi travada no começo do século XIX pela escola histórica do direito, liderada pelo grande jurista alemão Savigny. Todos sabem que Savigny, em um escrito de 1814, defendeu um direito que seria baseado nos costumes e nas tradições particulares de cada povo e elaborado nas obras dos juristas e não em códigos criados pelos políticos.
Savigny não conseguiu impor suas opiniões e os juristas aceitaram a derrota. Ensinamos, hoje, nas nossas faculdades, o direito criado pelos políticos. Não ensinamos a técnica de redação de leis nem tratamos dos problemas de seu conteúdo. Com as famosas palavras que usou em uma publicação de 1848 o Promotor de Justiça alemão Julius von Kirchmann, o operador do direito foi escravizado pelo direito imposto pelo legislador e tornou-se um verme que se nutre de madeira podre.
Os problemas cruciais da justiça social e os conflitos políticos em tomo da elaboração das leis não despertam mais interesse nas faculdades de direito. São examinado sem poucas aulas de sociologia e de filosofia do direito perante alunos desinteressados, que só querem saber quais são as últimas reformas do processo civil e quais as recentes leis sobre abiotecnologia e a proteção ambiental.
Por isso, a decisão do Ministro foi certa. Ele consultou os políticos que trabalham como legisladores, já que eles decidem sobre o direito. Porque então essa consulta não foi satisfatória e o Ministro decidiu recorrer a nós, simples estudiosos do direito?
A resposta é evidente. O tratamento que merecem os Denunciantes Invejosos é uma questão de aplicação do direito. As denúncias foram feitas segundo o direito em vigor eos tribunais aplicaram sanções previstas pelas leis da época. Por isso, a avaliação das referidas denunciações depende da interpretação do direito que estava em vigor naquele período. Antes de pensar em fazer uma nova legislação, devemos examinar se o direito em vigor permite reagir de forma adequada, satisfazendo o sentimento de justiça da maioria da população que está indignada com os Denunciantes Invejosos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Caso Dos Denunciantes Invejosos
Non-FictionO texto permite retornar a antiga polêmica sobre a validade e a moralidade do direito. O que acontece quando uma norma jurídica se revela injusta? O que deve fazer o juiz quando a aplicação das leis leva a resultados inaceitáveis? Para responder est...