XVIII. Algumas Coisas Nunca Mudam

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Música indicada: Heal

Na noite anterior

- Alô? - perguntou a voz masculina e sonolenta do outro lado da ligação. Eloísa já se sentiu mais calma em ouvi-lo e ajeitou-se no vaso sanitário fechado do banheiro do quarto enquanto as duas garotas do outro lado da porta dormiam naquela madrugada fria de Hender.

- Tomas? - sussurrou, estava muito ansiosa e preocupada em fazer mais barulho do que já tinha feito no desespero de ligar para ele.

- Eloísa? - com uma voz um pouco mais firme e preocupada. - Tá tudo bem?

- Oi... - tentava conter seu nervosismo. A garota sentiu o desconforto que foi ligar para ele naquele horário mais do que em qualquer outro, mas estava feliz com o simples fato de ouvir uma voz conhecida por tantos anos depois de muito tempo.

- Oi... - surpreso. - Você está bem? - confuso. - Aconteceu alguma coisa?

Ela fechou os olhos, prendeu a respiração e as lágrimas antes de responder:

- Nem tanto assim. Eu estou bem... - sussurrou, tentando convencer a si mesma de que aquilo era verdade. - Bem, - engoliu o choro - na verdade não. Tomas, tem alguma coisa muito errada acontecendo.

- Você já chegou na faculdade? - perguntou. - Aconteceu alguma coisa com você aí? Algum cara...

- Não, Tomas - interrompeu-o.

Com certeza Annie tinha contado que ela estava em Hender, por mais que jurasse não falar nada ao irmão mais velho, Eloísa entendia que era difícil. Ainda mais para Annie, que nunca parava de falar por dois segundos.

- Então o que? - insistiu.

- Não tem a ver com a faculdade... Ei, sabe quando viajamos no fim do meu primeiro ano do ensino médio? - questionou. - Quando você não conseguia dormir porque estava ansioso demais e fiquei acordada com você a noite inteira?

- Claro - disse quase inaudível. - Claro que eu lembro, El. E quando voltamos, você começou a ter pesadelos todos os dias - lembrou.

- É... eu tinha, você lembra o que eu fiz para eles pararem? - questionou.

- Ah, Eloísa. Eu dormi uma semana na sua casa - respondeu. - El, aonde quer chegar com tudo isso? Sabe, nós ainda podemos ser amigos, mas esse tipo de jogo é muito errado.

Um clima tenso pairou no telefonema. Eloísa se sentiu envergonhada e tola por ter ligado. Eles já tinham terminado há tanto tempo, pensava no quanto Tomas teria ficado irritado de receber sua ligação.

- Está tendo pesadelos de novo? - questionou.

- Esses são muito piores, mas você não pode ajudar dessa vez - concluiu.

- El, volte a dormir - consolou, compreensivo. - São apenas sonhos, não são reais.

Ela fechou os olhos. Suspirou, sentiu sua respiração tremer quando ela a soltou. Todo o seu corpo tremia e não era só pelo frio. Eles são reais. Ele coçou a garganta e disse mais baixo do que antes:

- Eu quero te ver bem, okay?

- Vou ficar - sussurrou antes de tirar o celular da orelha e desligar.

Eloísa encarou seu aparelho e a foto com a garota negra com dreads pretos que tinha colocado na tela de bloqueio. Sentia falta de Annie. Pensou no vômito no chão, ao lado de sua cama, que precisava ser limpo antes que as outras garotas o vissem, mas ela estava exausta.

O que está acontecendo comigo? choramingou.

Encostou a cabeça na parede fria atrás do vaso sanitário enquanto se tremia. Suas pálpebras pesaram enquanto as lágrimas deixavam seus olhos cansados e marcados por olheiras cada vez mais profundas. Ela dormiu. Uma decisão errada e terrível.

Estava escuro demais. Ela apalpou o chão, que era muito irregular e feito de areia onde não estava coberto por pedras pontiagudas, para conseguir se levantar. Não sentia parede alguma ao seu redor.

- Tem alguém aí? - gritou, nervosa.

Nenhuma resposta. Ela se colocou de pé, não via nada, era apenas um imenso breu.

Passou a andar, sem rumo, e seu medo a consumia a cada passo que dava em direção à escuridão completa que se estendia. Em um pequeno vacilo, gritou de dor ao torcer o tornozelo direito e cair sentada. No momento que olhou para frente novamente, viu a pequena chama de fogo se acender a alguns metros dela. Iluminava apenas alguns centímetros ao seu redor, mas já era algo melhor que as sombras daquele espaço. Tinha água por ali porque a imagem da sombra era refletida nela. Eloísa estava com frio, como se tivesse acabado de sair da água de um lago. Colocou-se de pé e caminhou, mancando e cautelosamente, em direção à pequena fonte de fogo. Quando chegou perto o suficiente, sentiu seus pés molharem, ela estava descalça. El se agachou e pegou a vela, receosa. Sua mão direita tremia tanto que era complicado tentar manter o objeto parado. Ouviu passos se aproximarem e moveu-se rapidamente na direção do som, que continuou, mas parecia vir de muitos lugares ao mesmo tempo.

- Quem está aí? - Sua voz tremeu e quase falhou. Aquele espaço úmido tinha cheiro de mofo e o ar cortava sua garganta.

Você irá trazê-los para mim. A voz, rouca e tenebrosa, ecoou por todo o local. Era como um sopro em seus ouvidos, como se tivesse acabado de ser sussurrado bem ao seu lado, à direita do seu rosto. Ela sentiu um vento mais frio passar por seu corpo e todos os seus pelos se arrepiaram de uma só vez.

Você irá trazê-los. Ela girou com a chama para diversas direções, mas não via nada. Sua respiração tremia e seus olhos se mexiam freneticamente em busca de respostas.

- Me deixe em paz - gritou ela, ainda girando nas sombras.

Abra o inferno, sussurrou a voz, um vento ainda maior balançou seus cabelos e Eloísa fechou os olhos.

Abra o inferno, sussurrou mais uma vez e ela sentiu todo seu cabelo voar pelos ares.

- Por favor... - implorou a garota, que tinha os olhos nadando em lágrimas quando os abriu. - Por favor.

Abra o inferno, insistiu, e o vento que antes apenas balançava o fogo amarelo da vela, o apagou. Ela largou a vela no chão e se sentou lá mesmo, abraçando os joelhos com os braços e escondendo seu rosto entre as pernas.

- Me deixe em paz! - sussurrou, angustiada.

Abra o inferno, mais uma vez. Ela sentia o impacto da corrente de ar contra o seu corpo enquanto a água molhava sua calça.

- Por favor... - implorou.

Abra o inferno, Eloísa.

Abra o inferno, Eloísa

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Eloísa ainda se sentia confusa com todos os acontecimentos. Quando abriu os olhos, todo seu corpo frio se ergueu do vaso e ela caminhou descalça até a cama. Como se estivesse em um transe, andava torta e desestabilizada. Estava tão fora de controle, parecia não ter mais lágrimas para chorar. Era três e trinta e três da madrugada e ela estava disposta a não pregar mais os olhos.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora