XXXIX. O CICLO DA ERA

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Ela estava lá, as pessoas desconhecidas a encaravam com seriedade, mas nem todas eram completos estranhos. O garoto loiro estava lá, mas seus olhos azuis eram de um amarelo gritante e todo seu corpo amoleceu ao identificar Paulo. Ela não hesitou em caminhar até o veterano da universidade de Hender, que nem por um segundo pensou ter algo com toda aquela loucura. Paulo, entretanto, não pareceu surpreso em vê-la.

Eloísa balançou a cabeça negativamente e perguntou:

— Por que está aqui? — A voz estava presa na garganta. Era assim toda vez que tentava falar, já havia até mesmo se acostumado.

Paulo a encarou sem receio e a garota deu um passo para trás pelo brilho de seus olhos amarelos como o sol. Ela engoliu em seco o medo ao notar que, dentre a escuridão atrás dele, algo se movia. Eram asas negras e enormes. Seus lábios descolaram e Eloísa pensou duas vezes antes de falar algo mais em direção àquela versão desconhecida do rapaz loiro.

— Não precisa ter medo de mim, El — falou e pelo menos sua voz não havia mudado. — Sinto muito que esteja acontecendo de novo.

Ela não entendia do que Paulo falava, respirou fundo. Estava trêmula.

— Você é um demônio? — Quis saber o que já pensava ser óbvio, mas se questionou quando ele deitou um pouco a cabeça para a esquerda de maneira confusa. — Por me deixou no escuro? — Implorou por uma resposta e assistiu os olhos de Paulo largarem o amarelo e retornarem ao seu azul conhecido.

— As coisas são mais complicadas que isso, Eloísa — disse Paulo, de maneira gentil.

— Max está aqui? Meu Deus... Vocês são todos demônios? — Buscou por rostos conhecidos pela escuridão, mas apenas algumas silhuetas estavam visíveis. Ela travou quando encontrou o dono de um par de olhos vermelhos como sangue olhando diretamente em sua direção a alguns metros, agachado. Não piscavam.

Eram os meus olhos.

Ela me ignorou e olhou para Paulo mais uma vez.

— Não quero fazer isso. — Um choro outrora preso ameaçou sair e a garota respirou fundo na tentativa falha de manter as lágrimas dentro dos olhos. — Não quero fazer isso — repetiu olhando para trás, onde Pitt estava na mesma posição que a deixou e seus olhos se mostraram amarelos como os de Paulo estavam antes.

Ela levou as mãos aos cabelos e fungou enquanto o rosto se molhava sem controle e sentiu tudo se iluminar. Não, não existia fogo ou luz em local algum. Foram os olhos dela que mudaram. O castanho deu origem a um amarelo intenso e brilhante, como os outros ali estavam acostumados a ver. Ela piscou três vezes com força até que voltassem ao que conhecia como normal.

Eloísa olhou em direção a Pitt, que tinha um semblante pacífico e suas asas abertas ao se aproximar e colocar a mão sobre o ombro dela. Ele sussurrou:

— Você vai ficar bem — e ela se perguntou se aquilo era verdade.

Desejou não estar ali rodeada de pessoas estranhas, ou que pensou conhecer antes, quis não ter aceitado ir até ali com Pitt. Eloísa queria tanto, mas tanto, que Lorenzo estivesse ali. Ela precisava, mais do que nunca, olhar dentro dos olhos dele e sentir a calmaria que isso trazia à sua alma.

— Posso pedir uma coisa? Tipo, último pedido? — Questionou, ele gesticulou que sim com a cabeça. — Você trouxe seu celular? Queria me despedir de algumas pessoas.

— Precisa ser rápida — falou o demônio, retirando o celular do bolso. — Escolha uma delas.

Ela encarava o telefone preto nas mãos dele e o pegou. Tentou lembrar o número da sua mãe, seu pai, de Annie, mas o único que vinha à sua cabeça naquele instante de nervosismo foi o que ela digitou enquanto suas mãos tremiam. Eloísa colocou o aparelho sobre a orelha e fechou os olhos pedindo que a garota atendesse. Estava ofegante e seu estômago estava embrulhado naquela noite tão escura.

Caixa postal. Fechou os olhos e tentou mais uma vez, sentindo suas pernas tremerem quando ouviu sua voz.

— É melhor você ter uma ótima desculpa e que me fale logo onde você está — disse a voz irritada e cheia de autoridade do outro lado. Ela sorriu, se lembrando do quanto Mel amava o controle e do quanto tinha removido isso dela.

— Oi, Mel — disse, sua voz tremeu, ela encarou Pitt, que não parecia satisfeito com aquilo e deu as costas para ele. — Eu estou viajando — mentiu. — Não podia falar com meus pais porque eles nunca aceitariam e sabia que você ia exigir saber mais se eu contasse antes.

— Do que você está falando? El, há poucos dias você estava em um hospital e simplesmente sumiu! Seus pais estão loucos te procurando — contou.

— Eu sei — sussurrou. — É por isso que você vai acalmar eles. Vai dizer que estou bem e feliz — respirou fundo, contendo as lágrimas. — Que nunca estive mais feliz.

Odiava o quanto suas palavras eram tudo, menos verdadeiras, e sabia que Melissa notaria.

— Você precisa voltar, não parece bem — falou. — O que aconteceu? Você pode me contar, a gente resolve isso...

— Não, Mel... — Engoliu o que queria falar. — Não tem como resolver dessa vez — lamentou.

Ela levou a mão ao coração despedaçado e deixou as lágrimas rolarem em seu rosto. Sentiu a mão do demônio tocar seu ombro mais uma vez e sabia o que aquilo significava. Eloísa sabia que nada ficaria bem para ela. Abriu os olhos e coçou a garganta antes de falar:

— Foi um prazer enorme te conhecer, Melissa. De verdade — desligou a ligação.

Eloísa não sabia.

Não tinha como saber que quando o ciclo se encerra, as piores criaturas andam pela Terra. Os mortos se levantam e tudo aquilo que um dia foi bom, deixa de existir. Nem mesmo o mais humilde dos seres é poupado e tudo é destruição e morte. O triângulo da morte é impedido de se fechar e, novamente, os seres celestiais caem em perdição enquanto acreditam estar cumprindo o seu destino.

É a pior coisa que pode acontecer.


FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora