VII. Calouros

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Música indicada: The Fault In Our  Stars( Troye Sivan)

Há anos Lorenzo não ia ao Brasil. Mais precisamente, cinquenta e dois. Nunca foi fã de climas tropicais e muito menos das lembranças de 1979, quando em São Paulo teve um gosto do inferno na terra. Caminhava pela rua sem asfalto da área mais pobre da cidade enquanto tentava se concentrar nos passos do que planejou, mas a verdade é que sabia ser um péssimo plano. Existiam muitos "e se", mas o maior deles era "E se a garota intensificar minha energia?", isso resultaria em demônios e lanças de ouro. Porém, ao contrário do que conversou com Teodora, não existia mais a opção de desistir, ele tinha que tirá-la de lá.

O homem de cabelo castanho escuro bem arrumado em um topete precisava parar de pensar e começou a correr. Quando tirou as mãos de sua jaqueta preta, Lorenzo mostrou as luvas azuis e moveu suas pernas rapidamente de volta à universidade. Duas semanas atrás ele tinha deixado a Inglaterra, mas ainda não tinha digerido tudo o que aconteceu lá. Todas as vezes que pensou sobre, afundou-se em uma profunda melancolia. Ela está no inferno e a culpa é minha. A vontade de vomitar surgia pela ansiedade das lembranças e ele precisava se movimentar. Focar sua mente em algo mais físico para não se ver imerso na tristeza que assolava seu coração.

Ao redor do campus não tinha muito verde e as casas eram pobres demais, sentia-se mal por aquelas pessoas. O rapaz de olhos escuros poderia escolher qualquer curso no campus que acabou de entrar, apenas para permanecer lá, e escolheu novamente o direito. Já tinha se formado nessa graduação cinco vezes, em diferentes países, mas gostava do tom arrogante dos alunos e professores entretidos em serem melhores que a pessoa ao seu lado e mal imaginavam o que os esperava depois da morte. Idiotas.

Enzo só queria encontrar a garota que Teodora lhe falou antes de partir. Pagou caro em um investigador para mapear todos os sócios da mulher e teve ainda mais certeza do quão absurdamente influenciadora ela era. Estava sempre no topo de tudo e não era nada discreta. Quando Lorenzo a deixou no México em 1823, ambos não tinham nem roupas, mas a amiga voltou para o inferno sendo uma das mulheres mais ricas do mundo. O homem tinha ficado para trás há pelo menos setenta anos, mas ainda assim acumulava um capital invejável vindo de cassinos espalhados em todo o mundo. Até tentou fazer fama com seus quadros, mas as pessoas consumiam cada vez mais pinturas modernas e ele não se interessava por elas. Gostava de pintar as imagens que surgiam em sua cabeça sem que soubesse a origem. Demônios dos mais diversos tipos. Também esculpia, mas desistiu porque exigiam tempo prolongado em um só lugar e fugir dos seres que pintava não o permitia algo assim.

Teo tinha apenas três sócios no Brasil, os herdeiros das maiores empresas de transporte do país. O investigador passou os dados das famílias deles por um valor exorbitante, mas Lorenzo não teve problemas em pagar. Daqueles, apenas dois tinham filhos e um tinha uma filha. Jack Castillo era herdeiro da maior parte das ações de uma das empresas do ramo metroviário em São Paulo e no Rio de Janeiro. Além disso, advogava para as maiores e mais corruptas empresas do país. Era renomado demais para seus poucos cinquenta e seis anos, julgava Enzo. Não era divorciado, mas também não morava com a esposa e os filhos. Ele passou apenas um olhar pela ficha que recebera até encontrar ela: Eloísa Dias Castillo. Gostou do nome, mas a face séria na foto anexada não dava a entender que ela gostava de algo no mundo.

—Você — chamaram-no e Enzo se virou em direção à voz. O rapaz loiro de óculos escuros corria atrás dele.

O homem de camiseta branca que retirou a jaqueta de couro havia acabado de entrar no campus e um sol curto e fraco tocava sua pele que nunca se bronzeava. Respirou fundo, já preparado para as boas-vindas que receberia na Universidade de Hender, onde ele tinha se matriculado uma semana atrás, na esperança de encontrar Eloísa, mas não tinha visto estudantes desde então. Para Enzo, os veteranos eram muito parecidos em todos os lugares: chatos e inconvenientes.

— É novo na universidade, certo? — falou o rapaz, retirando os óculos e mostrando seus olhos claros e que assustavam por terem uma cor tão semelhante ao céu. Esboçava um sorriso com os dentes grandes e absurdamente retos.

— Sou — respondeu Lorenzo, retirando também os óculos de sol. Esboçava indiferença e, bem ao contrário dos do outro rapaz, seus olhos eram tão escuros que poderiam ser comparáveis às sombras mais densas da noite.

— Sou Paulo — cumprimentou, estendendo-lhe a mão. A blusa verde-clara de mangas longas estava colada em seus braços bem definidos e ele sutilmente se apoiou em uma das pernas cobertas por uma calça jeans azul marinho. Enzo encarou o gesto por alguns segundos antes de aceitar apertá-la.

— Lorenzo Di Credi — Introduziu-se. O loiro à sua frente, que tinha pelo menos dez centímetros a menos, cerrou um pouco os olhos e umedeceu seus lábios rosados.

— Italiano? — perguntou, o nariz dele era muito pontudo, fino e se mexia de forma estranha enquanto ele falava.

O fugitivo não tinha sotaques em nenhuma língua, o que não dava a Paulo a razão de usar apenas seu nome para tal pergunta. Teve uma leve vontade de revirar os olhos pelas fúteis constatações ditas com uma tonalidade animada demais para as nove da manhã, mas controlou-se.

— Família italiana — respondeu.

— Bem, sou eu quem ajuda os alunos que chegaram mais cedo no campus — informou, desconcertado. — Eu só cheguei hoje, então não conheço os que vieram antes. Se vocêprecisar de algo...

A luz do sol fraco fazia com que os cabelos dourados de Paulo brilhassem à medida que ele se mexia e Enzo se perguntava de qual filme de ficção adolescente americana aquele rapaz tinha saído. Cruzou os braços grossos antes de perguntar:

— Quando chegam os novos alunos? — Deu dois passos em direção ao veterano, que olhou para seu relógio.

— Depende, é alguém específico? — Paulo colocou as duas mãos na cintura e esperou por uma resposta que não chegou. Enzo apenas o encarava enquanto se perguntava o que deveria falar.

— Direito... os estudantes de direito.

— Os calouros de direito chegam em duas semanas — falou o veterano. — Mas quem quer fazer algum tipo de esporte chegou entre ontem e hoje. Se você quiser me dizer o nome da pessoa, eu posso...

— Não — interrompeu, descruzando os braços. — Obrigada. — O rapaz olhou o relógio novamente. — Tudo bem? — perguntou sem ter certeza de que queria uma resposta. Paulo riu em sua direção.

— Ah! Eu tenho reunião de planejamento da natação em quatro minutos. Vamos nos preparar para receber os calouros amanhã — respondeu. — Mas, tu pode me procurar depois se quiser ajuda pra achar alguém... Aliás — ergueu a mão direita. — Tu não quer vir comigo?

Lorenzo o encarava sério, mas nesse momento sorriu, mostrando os dentes meio amarelados e retos, como não fazia com muita frequência e respondeu:

— Obrigada — sincero. — Mas eu preciso focar em outras coisas.

— Certo — concluiu Paulo, começando a caminhar em direção aos prédios de práticas esportivas a metros da entrada.

Lorenzo permaneceu parado, sabia que Eloísa tinha se aplicado para natação, mas ainda era cedo para encontrá-la e, se já estava ali e ele não sentia sua vibração sobrenatural como acontecia com Teodora, as coisas eram muito mais confusas do que esperava. Retirou o cordão de prata com o pingente de coração do bolso da calça jeans e o ergueu contra o sol. Você não vai me servir de algo? Pensou antes de passar seu polegar por entre os detalhes que imitavam as veias e se perguntou como aquela coisa o ajudaria. Depois fechou os olhos, desejando que Teodora não estivesse sofrendo o tanto que ele imaginava que estava.

— Aguente firme — pediu — eu estou resolvendo tudo.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora