XXII. Velhos inimigos

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Lorenzo desejava amargamente não saber onde estava. O escuro, sombrio, e úmido quarto de tijolos apodrecidos na sala mais alta do prédio. Enzo estava preso a uma maca de ferro grossa encostada em uma das paredes que cheiravam mofo. Na Universidade de São Paulo, ele sabia, no laboratório daquele maníaco novamente. Balançou-se com raiva na tentativa de soltar as cordas que o prendiam, mas não teve força suficiente para quebrá-las, se sentia fraco demais, e aquelas amarras feitas de zinco já haviam mostrado sua eficiência em 1979. Lorenzo se tremeu de medo porque jamais sairia dali sozinho.

Uma mulher de quase dois metros de altura ocupou o espaço, usava um jaleco branco que ficava curto em seus braços, sua pele era amarelada e sua boca estava ressecada ao ponto de sangrar, parecia mesmo a maluca que era.

— Você acordou — em um suspiro, com a voz rouca, aproximou-se. Ele apenas a encarou. Tinha plena consciência de que o homem não teria as mesmas auxiliares de 1979, mas aquela parecia muito a jovem pesquisadora que, na época tinha olhos escuros cobertos de medo, mas agora eram cheios de certezas.

— Ele é muito corajoso...— Em um tom delirante, Lorenzo soava frio, pois a sua coragem era apenas um teatro. A mulher sorriu com seus dentes tortos.

— Michael te procura faz tanto tempo — declarou. Um fio de seu liso e branco cabelo caía sobre seus olhos, o ajeitou com seus dedos magricelas. — Não achei que te encontraríamos enquanto ele ainda vivesse — dando as costas para ele. — Sabe que eles continuam vindo aqui? Aqueles seres repugnantes os querem de verdade, Lorenzo. Como está Teodora? — Não se virou e, logo, não notou o olhar fulminante do fugitivo, que poderia matá-la naquele minuto se estivesse solto.

— Como me achou? — Irado, perguntou.

Ela virou apenas o pescoço e o encarou como se sua pergunta fosse a mais estúpida do mundo. Seus olhos puxados e cansados carregavam olheiras profundas e as rugas pela idade marcavam sua testa.

— Uma garota... — Revelou, virando agora o corpo todo — Eloísa. De todas as nossas hipóteses, uma na qual você apareceria por indicação nunca foi levantada. Mandou um e-mail de madrugada, foi tempo suficiente para providenciarmos o resto.

Ele não entendia uma palavra do que a velha dizia. Suas pálpebras estavam pesadas graças ao efeito das amarras que contaminavam seu corpo e a respiração era escassa. Lorenzo deixou sua cabeça cair e pressionou os olhos com força, tentando se manter acordado.

— Ela chamou por você, Lorenzo — sussurrou e o fugitivo ergueu a cabeça. — No hospital. Cairia mal pegá-la no meio da universidade, então garantimos que a exaustão dela a levasse para fora. Te achar em Hender... Foi fácil. Não sabe mais se esconder? Isso é preocupante.

Enzo tentava ao máximo manter seus pensamentos organizados, mas a ideia do que estava por vir o fazia se arrepiar inteiro.

— Por que a querem? — Cuspia enquanto falava, respirando com dificuldade. — O que ela é?

— Não a queremos... Não me escutou? — voltou a dar as costas a ele e a mexer em equipamentos sobre uma grande mesa branca e retangular, mas Lorenzo não era capaz de saber no que, apesar de já ter uma ideia. — Eloísa nos achou, entrou em contato com Michael. Ele teve certeza de que existia um motivo para estar tão desesperada. Como Eloísa perguntou sobre Teodora, era óbvio que o motivo só podia ser você.

Lorenzo balançou a cabeça negativamente. Ela virou sorrindo e se aproximou com a agulha de seis centímetros em mãos, admirando-a e o homem encarou o objeto com ansiedade. Tremia. Procurou a veia em seu braço esquerdo enquanto ele voltava a se debater. Em pânico pelo líquido vinho que seria colocado dentro do seu corpo.

— Eu vou matar vocês dois — sussurrou, tentando se soltar. A encarou com ira. — Teodora tinha razão, deveríamos ter voltado e acabado com esse lugar.

— Você acha que estamos sozinhos? — Repreendeu. — Nós só precisamos te entregar para ter paz.

E essas palavras o deixaram confuso. Não foi no tom arrogante de antes e sim em um esperançoso. Lorenzo engoliu em seco e puxou mais ar pelo nariz.

— Do que está falando? — Quis saber e ela suspirou. Foi estranho para ele.

— Sabemos que tudo o que você sente... Ela sente. A de cabelos laranjas me contou. Está a caminho, aliás — disse baixo.

Ele teve vontade de chorar. Era o fim. O demônio chegaria ali e o levaria de volta para o inferno sem que tivesse a menor chance. Forçou as amarras mais uma vez e gemeu com a intensidade de seus movimentos, a mulher deu um passo para trás e o assistiu, mas Lorenzo não obteve resultado.

— Como acha que Eloísa vai sobreviver a isso? — Ela encarou a agulha com os olhos brilhando.

O coração do rapaz quase parou.

— Vocês não sabem de nada... — Tentou, em vão, desafiá-la.

— Tem certeza? — encarou-o nos olhos antes de começar a enfiar a agulha mesmo sem encontrar a veia. — Talvez então possa arrancar um de seus dedos para testar... Ela aguentaria a dor? Lorenzo, eu estou cansada. Quero que esses animais parem de nos cobrar por sua alma. Você vai voltar para casa hoje — determinou. — Boa viagem.

Ele apenas a encarou com repúdio enquanto sentia seu braço sendo perfurado sem hesitação. Apertou os olhos com a dor que sentiu quando a massa vinho começou a ser aplicada. Queimava por dentro como fogo e Enzo sabia disso porque já tinha sido queimado muitas vezes. A mulher logo se afastou, pegou suas coisas e o deixou sozinho na sala de dez passos de largura. Sua cabeça estava baixa, o coração estava acelerado e seus neurônios pareciam fritar. Logo a massa começou a fazer o efeito que deveria e seu corpo se molhou de suor, suas mãos e pés tremiam, e não conseguia abrir os olhos. Lorenzo se desesperou ao perceber que voltaria para lá.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora