XXXV. VOCÊ VOLTARIA PARA O INFERNO POR ELA

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Música indicada: Mercy (Shawn Mendes)

Por que eu fui me meter nisso? El perguntou-se logo que acordou e, segundos depois, encontrou Enzo deitado sobre seu braço direito. Tudo era escuridão exceto pela fraca luz branca em um dos cantos do quarto que ela deduziu ser de um hospital. Ela tentou se mexer, mas uma dor pontiaguda passou de sua espinha até o umbigo, fazendo com que parasse no mesmo instante. Enzo sentiu seu movimento e ergueu a cabeça, encarando-a.

Ele sorriu. Ela continuou séria e encarava a garota gorda de quase dois metros e um piercing no nariz. Reconhecia a áurea de Lupita mesmo de olhos fechados.

— Não estou dormindo há anos ou algo do tipo, estou? — Olhou Enzo, que tinha um rosto esbanjando alívio e sorriu. — O que? Eu não estava indestrutível ou algo do tipo?

— Você precisa estar acordada para se curar — justificou.

— Sinto como se alguém me tivesse atravessado com uma faca.

Os dois saudáveis do quarto se olharam aflitos e Lupita coçou a garganta ao chegar mais perto. O anjo parecia diferente dessa vez, não só pela aparência, mas a forma que a olhava. Sorriu com os lábios fechados, parecia ainda mais bonito quando a luz batia rala em seu rosto, El deduziu.

Eles esperaram por algumas horas até que o maior de seus ferimentos cicatrizasse e que pudessem carregá-la até o carro no estacionamento do hospital. Ela havia apagado parcialmente novamente, estava exausta, uma rala memória voltava à sua cabeça e a assustava. Havia encontrado um anjo chamado Azazel e ele parecia ter todas as respostas que ela mais precisava.

***

Ela não conseguia parar de encarar o rapaz magrelo e de aparência mórbida ao seu lado. E isso porque a figura em questão não deixava de olhá-la também e seus olhos piscavam em um completo amarelo pelo menos uma vez por minuto. Depois de alguns minutos tensos, onde todos nitidamente escondiam algo dela, e descobriu estar em Rondônia, Eloísa exigiu que parassem. Estava farta de segredos. Depois de estacionar o carro, Lupita caminhou em direção ao restaurante de aparência fina onde os outros três estavam, o céu indicava uma tempestade e ventos fortes lançavam seu moicano desarrumado para o lado esquerdo, El teria rido dentro do restaurante ao ver, pela grande janela de vidro, menina branca demais brigando contra os fios azuis e rebeldes querendo cair sobre seus olhos, mas estava furiosa.

— Você vai comer comida de verdade hoje? — Enzo perguntou, ela o encara e aperta os olhos, impaciente.

— Eu sempre como comida de verdade — disse, pegando um dos cardápios.

— Aham — ele encarou Pitt. O garoto riu. — Bacon duplo? — O demônio assentiu, indo até o balcão fazer os pedidos.

Lupita entrou no restaurante já um pouco molhada, havia começado uma grande chuva.

— Vocês deveriam me esperar — disse ao se sentar ao lado de Enzo, esbarrou no ombro dele. — Será que dessa vez ela vai pedir comida de verdade?

El os encara séria e inconformada.

— Quem é Azazel? — Perguntou finalmente, com a boca seca e os olhos repletos do mais puro sentimento de enganação. Pitt vinha em direção a eles e estagnou ao escutar o nome do anjo.

— Existem dois pingentes como esse... — retirou o colar de dentro da camisa, evitando os olhares dos seres celestiais ao seu redor — e não são iguais, como pensamos...— com receio na voz — eles são complementares, Eloísa...

— Para de enrolar — exigiu, arfando. — Antes de acordar no hospital... eu estava no corpo de outra garota. Mary. Azazel... ele falou comigo, que porra é essa? — Encarou Lupita, que prendeu a respiração. — Ele te mandou lembranças — contou.

Lupita lançou seu corpo um pouco para trás, olhou para Enzo e sua respiração tremeu.

— Por que ele te mandou lembranças? — surpreendeu-se com a própria memória, passou a mão entre as clavículas, onde sentiu a dor e a energia anteriormente. — E não era em 2031, era 1979.

Pitt não pareceu surpreso. Lupita tampouco.

— Calma — pediu o anjo. — Eloísa, Azazel te convocou. Você usou o poder do colar para viajar e ele aproveitou para te puxar — contou.

— Não. — Aflita, as sobrancelhas arquearam. — Eu pensei nas asas, em um anjo. Queria ir até você, mas parei nele. Por que? Lupita, onde você estava?

— Porque ela estava com a lança de diamante. Você não pode ficar perto delas — informou Pitt. A loira ficou ainda mais confusa. — Azazel não viaja pelas terras antes do ciclo se fechar, como ela faz — apontou para Lupita. Novamente essa história das terras a confunde e deixa-a ansiosa. — Está me ouvindo? — Exigiu saber, ela assentiu. — Você precisa abrir o inferno, Eloísa. Fechar o ciclo é a única chance de salvar o mundo.

Não se sentia bem. Pressionou os olhos com força, estava com medo.

O garçom chegou com os pedidos e os colocou sobre a mesa, todos ficaram em silêncio por alguns minutos. Suas mãos tremiam porque ela sabia que estava prestes a receber as respostas que tanto queria.

— Enzo? — Eloísa pediu por respostas.

— Eles já estão preparados para o ritual — intrometeu-se Pitt. — Só precisam dela. Se conseguirem abrir o inferno... — apontou para aquela que arregala os olhos.

— Você prometeu — sussurrou Eloísa ao fugitivo.

— Não vou deixar isso acontecer...— Enzo enfatizou. — Vamos impedir que as coisas cheguem a esse ponto — estava com um nó na garganta e pressionou os olhos com força. — As coisas mudaram... — sussurrou o fugitivo.

— Como assim mudaram. Esqueceu de Teodora? — Pitt parecia irritado. Levantou-se da mesa. — Ela não pensaria duas vezes se fosse você lá.

Enzo o encara.

— Se falar o nome dela mais uma vez, eu arranco essa merda de olhos amarelos — gritou apontando para os demônios. — Você a manipulou. Vocês dois e Azazel, não foi? Ela mudou de lado. Se fosse hoje, nem se sacrificaria por mim porque contaminaram a mente dela — Enzo sentia seu coração pulsar descontrolado e quebrado. — O que acontece de verdade quando o ciclo termina? — Grita para Pitt, que dá um passo para trás.

— É isso que você chama de lealdade, deixar Teodora queimar no inferno? — Pitt andava de um lado para o outro. — Ela se jogou na sua frente. Ela sempre fez tudo por você. — Suspirou. — A humanidade depende desse ciclo. Teodora depende dele.

— Calem a boca! — Eloísa gritou. — E me contem a verdade pelo menos uma vez — olha de Lupita para Pitt. — Se vou morrer, pelo menos tenho que saber pelo que.

Lorenzo se irritou o suficiente para se erguer da mesa, e, esbarrando nas outras cadeiras, sair do restaurante.

***

Sentia vontade de chorar. Chorou. Chorou porque não sabia o que fazer. Chorou porque... a amava. Chorou porque tinha prometido que ela ficaria bem, mas não sabia mais o que fazer.

A chuva já havia parado quando ele começou a caminhar de volta para o restaurante. Antes que pudesse chegar até a porta, avistou a garota.

Estava parada. O vestido azul marinho na altura dos joelhos e uma jaqueta marrom em mãos, a jaqueta dele. Ela começou a caminhar em sua direção e ele parou. Não sabia o que fazer. Como explicar aquilo para ela? Como ele ia falar que não tinha como impedir o destino dela? Ela iria odiá-lo e com razão. A cada passo que ela dava, séria e corajosa, ele sentia mais vontade de voltar para trás, covarde e perdido.

Quando estava a alguns centímetros dele, ela não disse nada. Ele sentiu o calor dela transcender seu corpo quando El o abraçou. Forte. Intensa. Ele só se sentia mais covarde por não conseguir cumprir a promessa que fez. El precisava fazer o ritual, mas ele não conseguia aceitar esse destino.


FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora